As flores do jardim da nossa casa

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Imagem - Pixabay
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Sinto saudades de uma infinidade de coisas. Uma delas é do jardim da minha avó. Era lindo demais. Os canteiros, demarcados por tijolos, formavam desenhos geométricos. As flores não cresciam desordenadas. Tudo fazia sentido. Havia canteiros em formato de losangos, retângulos, quadrados e círculos. Neles floresciam rosas, lírios, palmas e copos de leite.
O meu preferido era o de hortênsia. Talvez pela cor. As flores azuis em forma de buquê cresciam debaixo da janela do quarto dos meus tios. Eram abundantes. Floresciam durante todo o ano. Talvez porque ali fosse mais sombreado, mais frio. Não por acaso essa flor é comum em regiões serranas, o que não é o caso de Conceição do Pará. A cidade se formou em um vale e se alonga acompanhando o curso do rio.
Além das hortênsias, gostava, e ainda gosto, dos copos de leite. A beleza, o nome e o formato dessa flor remetem às manhãs frias da minha infância.

Naquele tempo, Vovó nos tirava da cama bem cedinho. Tudo era neblina. Não se via um palmo adiante do nariz. Mas, lá íamos nós, impávidos, embrulhados por várias camadas de roupa, até o fundo do quintal. Antes do rio havia um curral. E nele, esperando por nós, estava o Vovô. Nas mãos, empunhava uma caneca de leite recém tirado das vacas que ele criava por ali. Segredinho de família: o leite era batizado. Vovô acrescentava conhaque.
– É fortificante. Um santo remédio, dizia a nossa avó quando questionada pelos céticos.
Se era mesmo eu não sei. A verdade é que a gente adorava aquele leite batizado. Mais que o leite, o que mais nos seduzia, hoje eu sei, era o ritual. Tudo tinha ritmo. Nada fugia ao programado. Vovô e Vovó madrugavam. Enquanto ele ordenhava as vacas, ela batizava as canecas com o “fortificante”. Depois nos tirava da cama. Nem precisava chamar duas vezes. No curral acontecia a mágica. De volta à casa centenária, uma mesa imensa nos esperava e nela nunca faltava café quente, bolos e biscoitos. Tudo feito ali.
Ainda hoje, mal começa o outono, lá vou eu em busca de um bom conhaque para aquecer a alma e acalmar esse meu coração maltrapilho. Todos os anos a cena se repete.
– Nem pense em comprar essas porcarias que vendem por aí, aconselha o Beto, experiente que é com bebidas batizadas, nesse caso, aquelas de origem duvidosa.
– O que mais se vende é álcool de cereal com essência de conhaque, orienta o irmão preocupado com o fígado das irmãs.
Segundo ele, vale a pena gastar um pouco mais de dinheiro para comprar um conhaque de verdade. No tempo do nosso avô esse famoso conhaque era um blend de destilado feito a partir de vinho envelhecido. Hoje, o que se vê por aí é um coquetel composto, feito com açúcar, aromas de amêndoas, extrato de carvalho e corante caramelo. Tem 38% de teor alcoólico, não possui processo de envelhecimento em barril e contém álcool potável na mistura. Mas não pense que o fabricante quer enganar o consumidor, vendendo gato por lebre. Todas essas informações estão no rótulo. Compra quem quer.
Ah, chamar esse tipo de bebida é um equívoco. A exemplo do champagne, a denominação “conhaque” é protegida por lei e só pode ser usada para bebidas produzidas na região de Cognac, na França.

Ihhh, abstrai total. Estava falando do jardim da minha avó, fui para o curral e acabei aqui discorrendo sobre uma das minhas bebidas preferidas. Mas, voltando ao “xis” da questão, o amor pelas flores está no DNA da nossa família. Hoje, não há quem não se encante pela “floresta da DD”. É como costumamos chamar a profusão de flores que a Denise semeia pelo quintal da nossa casa. Nem a mangueira escapa do seu dedo verde. Nela, as orquídeas disputam espaço com as bromélias. Lindo de se ter. Lindo de se ver.

5 COMMENTS

  1. Mais uma linda crônica, Gisele. Parabéns! Também gosto de conhaque. Dia destes, em pesquisa na internet, me deparei com uma garrafa de mais de 30 mil reais. Claro que não comprei a joia, apesar da loja insistir na venda. rs

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