Encontros: a torta de casca de batatas e o arroz de polvo

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Dos encontros de Marina, saem suas receitas

Não se enganem! Eu já disse que não escrevo sobre comida e tão pouco cozinho por causa dela. Ainda que me intriguem os mistérios indecifráveis nas caçarolas das avós que conheço, nunca cozinho por causa da comida. Eu cozinho por causa de encontros.

Acabei de assistir “A Sociedade Lterária e a Torta de Casca de Batatas”. Todas as palavras que tentei, em vão, rascunhar neste fim de semana, enquanto abria a massa de um ravióli tarde da noite (após oito longas horas de viagem) ou durante a visita aos restaurantes inusitados que encontramos na Vila Buarque, em São Paulo, vieram ao mesmo tempo atropeladas por um choro desencadeado pelo filme.

Minha cabeça parece estar no incêndio do Moulin Rouge, em 1915. Já passa da meia-noite e todo e qualquer vestígio de sono desaparece. O medo de perder as palavras que dançam livres em minha mente instaurou uma insônia que só terá fim com o “ponto final”.

Sexta-feira, cheguei em São Paulo exausta para ver uma de minhas irmãs. Lorena, assim como as outras, não veio até mim pela barriga de minha mãe, mas pela doçura do acaso. Pela exatidão do tempo e pela felicidade que representa uma boa companhia para um copo de cerveja. Não temos o privilégio de encontros semanais. Às vezes, acho que a vida trouxe e levou minhas irmãs para longe por puro capricho. Para que eu continuasse escrevendo sobre encontros em vez de vivê-los.

Ainda na estrada debatíamos pela internet sobre o prato que eu iria cozinhar. Como estava frio, optamos por um ravióli de gorgonzola e amêndoas torradas com um molho leve de queijo. Eu ousei sugerir uma pera, para dar uma acidez sutil, mas Lorena não é chegada a essas misturas. Ela é mulher de alma intensa, cheia de personalidade e queria uma comida para aquecer seu coração. Mal sabia que era ela, e não o queijo, que aqueceria o meu.

O ravióli de Marina Cunha quase pronto

A cozinha bem apertada de seu apartamento charmoso parecia ter costurado na janela o infinito. Novos horizontes se abriam à medida que confidenciávamos os últimos acontecimentos. Amores, amigos, trabalho, filhos que não vieram, viagens a fazer. O ravióli ficou pronto, mas a conversa parecia não ter apurado ainda, era preciso mais. Mais conversa e mais comida.

O dia amanheceu. Havia ainda meia garrafa de Carménère na geladeira e a ideia prévia de ir à Casa de Francisca cedeu espaço para mais histórias, que, se lhes contassem, seria necessário matá-los! (risos). Quando caímos em nós, o relógio anunciava 15h. Nos trocamos e seguimos para a Vila Buarque. Queria conhecer o mexido invocado da Conceição Discos e o segredo nas frigideiras da Talitha Barros.

A primeira impressão é muito agradável, ambiente despojado, acolhedor. Muitos discos de vinil na prateleira e um toca-discos da época dos meus pais. A música estava um deleite para meus ouvidos. Acho que quando cheguei tocava Tim Maia e sua “Acenda o Farol”.

A cozinha é aberta e o sorriso de Talitha parece dar um colorido diferente, mais um encontro. A fome cedeu espaço para o encantamento e mal pude esperar a foto para estourar aquela gema perfeitamente frita. O arroz de polvo é uma explosão de sabor e revela a alma inquieta e simpática de Talitha.

Talitha Barros em sua cozinha | Foto: Arquivo Pessoal

Para mim, que sou da terra do arroz misturado não existe absolutamente nada mais apetitoso que um bom mexido e nada que combine mais com minha amizade com Lorena que um prato como esse. Afinal, quantos já comemos juntas no bar do Luciano, acompanhados de “zoiúdos” e bananas perfeitamente fritas? (Se ficou curioso, desista! Luciano nos deixou muito cedo e seu bar deu espaço a um restaurante que não guarda 10% do charme do boteco que havia antes).

Hoje, o texto não vem com receita, porque não é possível ensinar a cozinhar uma amizade como a que tenho com Lorena. Posso dar dicas de sabores que se aproximam disso, como é o caso do arroz de polvo do Conceição Discos, ravióli de madrugada ou um filme que fala sobre apaixonados em histórias e livros.

Então, desejo a vocês muitos pratos que sirvam de motivo para encontros felizes como os que costumo ter com minhas irmãs.

O meu ponto final

Caso queiram compartilhar seus encontros conosco, contem para gente na página do Facebook! E os detalhes fotográficos das minhas aventuras gastronômicas estão no instagram.

Para ler as crônicas e as receitas de Marina Cunha, acesse a página da coluna Cozinhas Gerais!

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