As muitas razões do amor

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O casal Iara e Gabriel. Foto - arquivo pessoal
O casal Iara e Gabriel. Foto - arquivo pessoal

Por aqui, nos grotões, nas entranhas das Minas Gerais, há uma forma especial de demonstrar que alguém pertence a alguém. Não no sentido da posse, do pertencimento. Mas do amor definitivo, do laço que não se desfaz. Do coração de um que foi plantado no peito do outro.

Quer se referir ao Nenê? Há vários, né mesmo? Mas e o Nenê da Cocota? Ah, esse é único. E o Osvaldo da Nely? Ihh, aí a história é longa. Começou com os dois trilhando a linha do trem. Foi amor à primeira vista. Depois vieram o namoro, o casamento, dez filhos, 12 netos. O sexto bisneto (ou bisneta) já está a caminho. É o amor frutificando, virando árvore frondosa.

Ihhh, abstrai de novo. Sou mestre nisso.

Voltando ao quem é de quem,  por aqui muita gente conheceu o João Batista da Irani e o Carlinhos da Valéria.

Conversa vai, conversa vem, você deve estar ai matutando:

  • Lá vem mais uma feminista. Que estória é essa de fulano ser da sicrano. Desde quando homem é de mulher? Eta gente que não tem o que fazer. Só quer saber de discutir o sexo dos anjos.

Nananinanão. Nada disso. Aqui, o papo reto é sobre o amor. Mas não é sobre um amor qualquer. Nada de encantamento passageiro. É sobre aquele olho no olho que foi que nem raio cruzando o céu.  Daquele tumtumtum no peito que pode ser ouvido a quilômetros de distância. Daquela primeira vez que ficou para sempre. Coisa de romance do século XVIII. Enredo de novela das seis. Tema de filmes da sessão da tarde.

É que nem o amor que permeia as canções do Vander Lee:

“Vi o meu sentido confundido, iluminado
Vi o sol enluarar, quando viu você
Vi a tarde inteira, a sexta-feira, o feriado
Esperando o amor chegar e trazer você (…)”

E como sou dessas, pra apaziguar o espírito de quem sentiu-se incomodado com a supremacia feminina, se tem o Nenê da Cocota, tem também a Therezinha do Joaquim, a Bete do Ivan, a Dilica do Osvaldo Major e a Ivânia do Joaquim que não me deixam mentir. Em toda família há um caso de amor que fica pra história.

Eu até diria que todos se adoravam. E não é pra implicar com uma de minhas irmãs. Jacq certamente vai replicar:

–  A gente adora só a Deus.

Eu discordo. Adorar, gostar sem limite, é permitido, sim. E não é pecado, não. Está na Bíblia. Quer um exemplo? Veja em Coríntios:

” (…) E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria.(..) Agora, pois, permanecem a fé, a esperança, o amor, estes três; mas o maior destes é o amor.”

Se Deus aprova quem é a humanidade pra discordar? A verdade é que não há poeta, músico ou escritor que não se aproprie do amor e saia por aí  espalhando a boa nova. Drummond é mestre na arte de falar sobre o amor e sobre os amantes:

“O ser busca o outro ser, e ao conhecê-lo
acha a razão de ser, já dividido.
São dois em um: amor, sublime selo
que à vida imprime cor, graça e sentido.”

Em outro poema, “As sem razões do amor”, Drummond refere-se a algo inexplicável, sem justificativa racional. Sobre um “estado de graça” que se espalha por todo o lugar.

“Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga (…)”

Adélia Prado é outra que cutuca tanto o amor com vara curta que chega a dar tremedeira na gente.

“Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como “este foi difícil”
“prateou no ar dando rabanadas”
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.”

O Nene da Cocota, o Osvaldo da Nely, o João Batista da Irani, a Dilica do Osvaldo Major, todos viveram um casamento maduro, sereno, estável. Como no poema da Adélia, experimentaram um amor tranquilo e sem sobressaltos. Um se acolhendo na presença do outro. Não foi diferente com a Bete do Ivan e com o Carlinhos da Valéria. Certamente ainda é assim com a Ivânia do Joaquim e com a Terezinha do outro Joaquim.

E quanto à nova geração? Ainda não ouvi alguém se refirar ao Túlio como sendo da Thais. Nem da Iara como a outra metade do Gabriel.

  • São outros tempos, Gisele.

Até posso ouvir você dizendo isso. É, pode ser.  Talvez esses jovens casais nunca venham a adotar essa alcunha. Mas, e o amor? Ah, o amor os pegou de jeito. Disso eu não duvido mesmo.

9 COMMENTS

  1. Eu, depois de 34 anos de troca com amor, me considero o Marcel da Lulu. Também, com quase 68 anos, não posso me considerar da nova geração!

  2. Gisele, quando o amor é assim lembrado o “Carlinhos da Valéria” ou a “Valéria do Carlinhos” dá uma sensação de continuidade eterna! É uma forma de estender esse amor pra além desta vida! É como se o mantivéssemos vivo, presente, “se acolhendo na presença do outro” ou, mantendo o outro vivo na vida do outro!!
    Emocionei-me com seu texto! Senti saudades!! Mas, me encontrei acolhida na sensação da posse do amor que foi correspondido!! Obrigada!! ❤️❤️❤️

  3. Ultimamente tenho estado muito sensível! Lágrimas brotam sem permissão. Mas não são lágrimas de tristeza. São da saudade dos tempos de ser livre; livre para viver, sonhar, amar, abraçar! Novamente minhas lágrimas me surpreenderam. Estas foram de amor. O amor que tenho deixado um pouco descuidado. Obrigada, Gisele, por lembrar do Alexandre da Carla e da Carlinha do Alexandre. Não foi Drummond nem Adélia que me fizeram sentir. Foi você! Sentir que tem amor, muito amor a ser compartilhado nos silenciosos momentos da noite. Bjos no seu ❤️ E Jacbi, você e sua família são sentimentos. Lindo! ❤️ Obrigada por compartilhar. Carla Lott

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