Pitangui se mobiliza para preservar rico acervo histórico

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Acervo do Instituto Histórico de Pitangui tem vários documentos sobre a escravidão. Foto - Arquivo IHP - Divulgação
Acervo do Instituto Histórico de Pitangui tem vários documentos sobre a escravidão. Foto - Arquivo IHP - Divulgação

População de Pitangui se une para reerguer instituto histórico do município, que tem um riquíssimo acervo dos séculos 18, 19 e 20, que quase foi destruído por um incêndio criminoso

Os moradores da histórica cidade de Pitangui, localizada no Centro-Oeste Mineiro, a 130 quilômetros de Belo Horizonte, um dos berços da mineração de ouro no Estado, acostumaram-se, nos últimos anos, a ouvir explosões de dinamite à noite. Não que a mineração tenha retornado aos seus dias de glória na cidade, e que as explosões destinavam-se a abrir caminho para se revolver a terra em busca do ouro.

As explosões eram de dinamite, sim, e seus objetivos também eram a busca do ouro. Só que na forma de dinheiro, que estava armazenado nos caixas eletrônicos dos bancos existentes na cidade. Nos últimos cinco anos, foram sete ataques: dois ao Banco Itaú; dois à Caixa Econômica Federal, um ao Bradesco, um a um cooperativa de crédito local, a SicoobCredpit, e o último ao Banco do Brasil, na madrugada do dia 4 de setembro.

Este último foi o que mais sequelas deixou na rotina da cidade. A começar pela destruição da agência do banco. Na tentativa de arrombar, não os caixas eletrônicos, mas o cofre forte, os assaltantes usaram uma grande quantidade de dinamite. O problema foi que a explosão produziu um incêndio que atingiu todo o prédio, inclusive o terceiro andar, onde funcionava o Instituto Histórico de Pitangui (IHP). Hoje, o edifício de três andares permanece com suas paredes cobertas de fuligem e as portas fechadas por tapumes de madeira.

Nesta segunda-feira (4/12), quando o ataque ao prédio fará três meses, o IHP vai realizar no local um silencioso protesto. Para isso, está convidando a população a deixar ali seu mensagem, na forma de faixas, cartazes e flores. Não haverá discursos, nem palavras de ordem. Será, segundo o IHP, um dia de vigília, em protesto contra a violência e também pela preservação da história de Pitangui.

Ação de alma

As 45 imagens sacras do instituto foram todas restauradas e estavam prontas para serem mostradas ao público. Foto - Arquivo IHP
As 45 imagens sacras do instituto foram todas restauradas e estavam prontas para serem mostradas ao público. Foto – Arquivo IHP

A destruição do prédio está causando grandes transtornos à rotina da cidade. Sem a agência do Banco do Brasil, os clientes estão sendo obrigados a ir às vizinhas cidades de Pará de Minas e Nova Serrana para fazerem suas movimentações. No Instituto estava o acervo de 45 imagens de arte sacra, dos séculos 18 e 19, que é tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG). Também no terceiro andar do prédio estava o acervo de milhares de documentos dos séculos 18, 19 e 20 – hoje abrigado na Biblioteca Municipal.

No dia 4, graças à rápida intervenção do G3 Resgate, o grupamento de bombeiros voluntários de Pitangui, o fogo foi rapidamente debelado antes que as chamas atingissem o terceiro andar do prédio. Assim, não chegaram a queimar nem as imagens, nem os documentos.

As 45 peças sacras foram restauradas e seriam expostas brevemente. Sem local, agora terão que esperar. Entre as peças mais importantes estão a imagem de Nossa Senhora das Dores, que foi salva do incêndio na antiga Matriz da cidade, em 1914, e a de Nossa Senhora da Penha, trazida por bandeirantes paulistas no século 17, quando foi construída a primeira igreja da então Vila de Pitanguy. 

Entre os documentos mais importantes do acervo estão as “ações de alma”. Neles, alguém que estivesse em débito com outra pessoa ou instituição era chamado à responsabilidade pelo juiz local. Como prova do “acordo”, o devedor era obrigado a fazer uma espécie de juramento no qual empenhava sua alma. Assim, caso descumprisse o compromisso, ele estaria como que a caminho do inferno. Por isso, o nome “ação de alma”.

No acervo do IHP estão 1.119 ações de alma, provenientes não só da cidade, mas de toda a região Centro-Oeste de Minas, já que, nos séculos 18 e 19, o município de Pitangui compreendia um território que ia até as imediações do Alto Paranaíba, próximo ao estado de Goiás. Com o passar dos anos, o município de Pitangui teve seu território desmembrado, dando origem a 42 municípios.

Uma infinidade de documentos do acervo também contam um pouco como era a relação entre senhores e escravos no Centro-Oeste mineiro. Há documentos sobre a venda de escravos, outros com casos de escravos que compraram sua liberdade e também que mostram que muitos senhores compravam escravos, porém, com um objetivo nobre: dar-lhes a liberdade.

O conteúdo do acervo documental da instituição não é de todo ainda conhecido. O processo de organização, que estava sendo realizado por uma equipe de professores da Fundação Educacional de Divinópolis (Funedi), hoje uma unidade da Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg), contemplou o período aproximado de 150 anos, chegando até meados do século 19.

O trabalho foi coordenado pela historiadora e antropóloga Adelan Maria Brandão, uma das fundadoras do Instituto. Ela afirma que a riqueza do acervo está ainda por ser de todo desvendada. Por isso, segundo ela, a importância da manifestação desta segunda e do apoio ao Instituto.

Dez escolas de Pitangui confirmaram presença no protesto desta segunda-feira. Os professores levarão os alunos ao local para que eles deixem ali sua mensagem. Entre as escolas está a Escola Estadual Professor José Valadares. Segundo a diretora da Escola, Maria Eliana de Campos Braga, a presença no evento é importante porque a destruição do prédio foi um ato de vandalismo que fez a cidade perder, ainda que temporariamente, a agência do Banco do Brasil e que, por pouco, não destruiu o acervo do Instituto. “O incêndio poderia ter destruído tudo”, afirmou Eliana.

De acordo com a diretora, a presença dos alunos na manifestação tem também um sentido didático de complementar os ensinamentos de sala de aula sobre a história de Pitangui. Em frente ao prédio, os alunos deixarão cartazes com mensagens contra a violência e em defesa do patrimônio histórico de Pitangui.

A manifestação tem o apoio também da Associação Comercial de Pitangui e da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) que, em nota divulgada ontem, afirmam que a destruição do prédio trouxe “grandes prejuízos a todos”. As duas entidades pedem a volta do funcionamento da agência do Banco do Brasil e a garantia de segurança para a guarda do acervo do IHP.

Comprometimento

Para Judith Viegas, vice-presidente do IHP, a manifestação desta segunda tem um duplo sentido – simbólico e prático. O sentido simbólico é o de ser um marco no renascimento do Instituto; o sentido prático é o de, por meio do protesto, buscar-se o comprometimento da cidade com esse processo. Para ela, o ataque ao prédio foi uma “barbárie” cometida contra os pitanguienses e contra sua história.

No trabalho de fazer com que o IHP renasça das cinzas, uma das primeiras atividades foi na área de comunicação. Graças ao apoio dos jornalistas Marcelo Freitas e Ronaldo Lenoir e da publicitária Janaina Maquiaveli Cardoso, o Instituto ganhou uma logomarca e uma fanpage no Facebook. O próximo passo será a colocação no ar do site da instituição. Antes do incêndio, o Instituto não tinha presença oficial na internet.

Para as próximas semanas, está sendo estudada a realização de uma campanha para o recolhimento de doações em favor do Instituto, que vai precisar de recursos para se reinstalar  na cidade, de tal forma que seu acervo possa estar novamente à disposição da sociedade. “A existência de uma instituição como o IHP só tem sentido público se for com esse objetivo, o de estar à disposição da sociedade”, afirma Marcelo Freitas.

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