Ações criativas e humanitárias em tempos de Covid-19

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Os Retirantes receberam máscaras na campanha preventiva do Coronavírus em Recife. A escultura homenageia dona Lindu, mãe do ex-presidente Lula – Foto - Prefeitura do Recife/Divulgação
Os Retirantes receberam máscaras na campanha preventiva do Coronavírus em Recife. A escultura homenageia dona Lindu, mãe do ex-presidente Lula – Foto - Prefeitura do Recife/Divulgação

*Por Sulamita Esteliam

Onde moro, está aberta a temporada de chuvas – bem cedo, aliás, pelo padrão de anos recentes, normalmente em meados de maio. É uma benção porque o último verão quase nos faz derreter, nem tanto pela temperatura, mas pela sensação de calor.

A chuva não só alivia um pouco o incômodo térmico, como lava as ruas do vapor corona, creio. E reduz a ansiedade pela caminhada na orla e pelo banho de mar; com chuva não rola.

Escolhi começar a semana de trabalho aqui no A Tal Mineira com alguma leveza. Não é a primeira vez. Acredito que me deixei contaminar pelo espírito do Ricardinho, o editor do Boas Novas MG, Ricardo Campos, meu amigo de décadas.

No caso, notícias boas, ainda que relativas à pandemia que segue avançando no país. E elas vêm do poder público das minhas Macondos: Belo Horizonte, a do berço nas Gerais, e Recife, a escolhida neste Pernambuco.


Poeta Ascenso Ferreira – Fotos – Professor Di Afonso

Iniciativas simples, a mostrar que com vontade política e bom senso, criatividade e inovação é possível contribuir para a conscientizar individual e coletivamente, conter a praga e minorar o sofrimento das pessoas, sobretudo as mais carentes.

Exemplos para serem seguidos.

Felizmente, as prefeituras destas duas capitais têm se pautado de maneira racional e com humanidade nas ações de controle do coronavírus. Muitas vezes à revelia de parcela da população, a minoria, que insiste em ser egoísta e obtusa.

Neste domingo, na capital pernambucana, a série de esculturas que homenageiam artistas, poetas e personagens diversas da história da cidade e do estado, amanheceram com máscaras de tecido.

É o projeto A Arte Cura, um estímulo para a gente da terra se proteger da Covid-19. Coordenado pela Secretaria de Turismo, Esporte e Lazer do município, pode ser acompanhado no Instagram @visitrecife.

O escritor Ariano Suassuna
O escritor Ariano Suassuna

Obrigada ao amigo professor Di Afonso, que me enviou as fotos logo pela manhã, com um recadinho sobre o feito. Aí foi só correr atrás dos detalhes da informação, que naturalmente está no sítio da prefeitura e na mídia local.

O exemplo, diga-se, vem do Rio de Janeiro e de outras cidades mundo afora – Bruxelas/Bélgica, Pequim/China, Courage e Montreaux/Suiça, Manchester/Inglaterra, Guadalajara/México, Berlim/Alemanha, Edimburgo/Escócia, dentre outras. Máscaras também cobrem as esculturas de galináceos em Porto de Galinhas.

Os Retirantes é o título da escultura retratada na imagem que abre esta postagem. Está instalada no Parque Dona Lindu, aqui em Boa Viagem. Simboliza a própria mãe do ex-presidente Lula e sua reca de filhos.

É a referência de quando a família partiu num pau de arara, de Caetés, então distrito de Garanhuns, no Agreste Pernambucano, para São Paulo. Lula é o baixinho à direita.

No Circuito da Poesia, da Aurora ao Pátio de São Pedro, no Cais da Alfândega e na Ponte Maurício de Nassau, na Rua do Sol e Praça Dom Vital, Beira-rio: Ascenso Ferreira, Ariano Suassuna, Carlos Pena Filho, Celina de Holanda, João Cabral, Joaquim Cardoso, Liêdo Maranhão, Manuel Bandeira, Solano Trindade, dentre outros poetas, mascarados a bem da coletividade.

Percussionista Naná Vasconcelos
Percussionista Naná Vasconcelos

Os artistas, e jornalistas, e escritores, e heróis pernambucanos também não escapam de instigar proteção: Capiba, Chico Sciense,  Gonzagão, Naná Vasconcelos; Antônio Maria, Clarice Lispector, Mauro Mota, Zumbi dos Palmares…

O Recife dos poetas, das letras e da música é também bom em tecnologia, e não economiza quando se trata de valer-se da cultura local para ganhar corações e mentes.

Assim, desde o início de abril, o poder municipal se vale de drones falantes, inicialmente para identificar aglomerações e dissolvê-las. Depois levou a prática para alertar as comunidades sobre a importância do isolamento social para conter o vírus.

O curioso é que quem me chamou a atenção para a novidade, via Twitter, foi minha amiga-irmã mineira, Eneida da Costa.

Nos morros, que são 70% do território recifense e têm acesso difícil, os “carros de som” voadores despertam a atenção dos adultos e fazem a festa da criançada.

O carro de som padrão é amplamente usado para divulgação na cidade – de greve a ovos de granja, tudo cabe nessa mídia, embora, cá pra nós, seja extremamente irritante. Mas cultura é cultura, e esse barulho rodante não é exatamente peculiaridade do Recife.

De Beagá, me chega a informação em telefonema matinal, há coisa de uma semana. Uma amiga me liga em estado de euforia, todas as endorfinas ativadas. A manhã já ia avançada, mas ela acabara de acordar, porque mal dormira à noite, tamanha agitação.

O motivo, mais do que pertinente: viu uma sugestão sua, com direito a ofício e audiência – ela me mandou o documento -, ser acatada, colocada em prática pela prefeitura.

Mais, constatou que não estava sozinha na demanda: a Pastoral dos Moradores de Rua e os ministérios públicos municipal e estadual, de certa forma, reforçaram o pedido, talvez com um pouco mais força nos argumentos, como se pode depreender do requerimento noticiado aqui.

Resumo da ópera: água potável em todas as praças e logradouros públicos é o ponto comum das recomendações e pedidos. Outro ponto essencial, instalação de banheiros públicos acessíveis e limpos.

A preocupação central, a exposição da população de rua ao Covid-19.

Poeta Manuel Bandeira
Poeta Manuel Bandeira

Minha amiga se preocupava, essencialmente, em matar a sede de quem passa o dia inteiro exposto ao tempo. E a hidratação, recomendam os médicos, é fundamental na prevenção de doença. No caso do coronavírus, também, tanto quanto a higiene.

A partir das notícias da falta de acesso à água da população em situação de rua em São Paulo, pôs-se em campo para saber como os semelhantes em Beagá se viravam. Pesquisou, e viu que “muitos deles passavam o dia, às vezes, com uma garrafinha de água”.

No dia anterior ao telefonema, ela, que pediu para não ter seu nome citado, viu a notícia que a deixou em êxtase num jornal local: a prefeitura começara a instalar pias com água potável em praças do hipercentro de BH.

A meta do projeto são sete unidades em áreas de maior circulação de pessoas, principalmente moradores de rua. É acanhada para tamanho e movimento da cidade, mas é  um  começo. Iniciaram também, na mesma semana, a distribuição de sabonete e outros serviços à pessoas nesta situação.

As pias não têm o charme nem a arte dos antigos chafarizes, mas cumprem ao que se propõem: contribuir para tornar menos ruim a vida dessas pessoas, vulneráveis sob todos os aspectos.

Cidadania e política pública é também olhar ao redor.

*Texto reproduzido do blog A Tal Mineira, da jornalista Sulamita Esteliam

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