Qual é a palavra que lhe veste?

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Imagem - redes sociais
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Não é nenhum segredo. Até já contei aqui. Todo mundo sabe que sou uma amante de palavras. Gosto especialmente de “ensimesmado”. Lulu aprecia “leilão”. Vai saber o porquê, né? Sofia vai de “plural”. Denise, a irmã do dedo verde, prefere “flores”. Assim mesmo no plural. Gilda, a pragmática da família, tende para “dinheiro”. Fácil de entender. Ah, lembrei. Ela tem apego por “saudade” também. Jacq vai de esperança. Gosto dessa também. Esperançar é um “verbo” que tenho praticado com frequência.

Palavras atuam como sinalizadoras na minha vida. No último Natal, sem saber o que comprar, a minha amiga oculta pediu sugestões de presentes. Nem pestanejei. Atraída pelo título, citei o livro “Dicionário das palavras perdidas”. Grata surpresa. A obra é uma lindeza escrita pela Pip Willians, editada no Brasil pela Gutemberg.

Sem querer dar spoiler e já dando o livro relata a história de Esme, uma garota que “roubava” palavras. Esme foi criada apenas pelo pai, um lexicógrafo a serviço do Dicionário Oxford da língua inglesa. A menina passa os dias no Scriptorium, um galpão de jardim adaptado para servir de sala aos homens do Dicionário.

Certo dia, uma ficha contendo a definição de um verbete a encontra por acaso. A partir daí a pequena Esme passa a colecionar outras palavras como aquela – perdidas, descartadas ou negligenciadas pelos funcionários do Scriptorium. Com o tempo, ela percebe que muitas dessas palavras relacionam-se às experiências das mulheres. Mais que isso, percebe que essas palavras raramente são registradas. Esme decide, então, coletar palavras para seu próprio dicionário: o “Dicionário das palavras perdidas”.

“Ambientado no auge do movimento sufragista, na iminência da Primeira Guerra Mundial, além de ser inspirado na real história da elaboração do Dicionário Oxford da língua inglesa, este livro revela uma narrativa perdida, singular, escondida nas entrelinhas de uma história escrita por homens.”
Leiam. Recomendo demais. Encantada.

Mas voltando ao ponto de partida, não estou sozinha nessa minha relação de amor com as palavras. A filósofa Viviane Mosé faz parte do meu time.  A palavra é, segundo ela, uma roupa que a gente veste. “Uns gostam de palavras curtas. Outros usam roupa em excesso. Existem os que jogam palavra fora. Pior são os que as usam em desalinho. Alguns usam palavras raras. Poucos ostentam palavras caras. Tem quem nunca troca. Tem quem usa a dos outros. A maioria não sabe o que veste. Alguns sabem e fingem que não.
E tem quem nunca usa a roupa certa pra ocasião. Tem os que ajeitam bem com poucas peças.
Outros se enrolam em um vocabulário de muitas. Tem gente que estraga tudo que usa. E você, com quais palavras você se despe?”

Ainda sobre o gosto pelas palavras tenho mais companhia. A jornalista Mirian Leitão também prefere as mais doces e saborosas, “as que tenham gosto de infância e eternidade, as que guardem a leveza do voo dos pássaros, as que confortem. Que preencham o vazio, divirtam ou façam pensar. Com elas bordarei o bordado que nunca aprendi e falarei do amor que sempre senti. Enviarei as mais bonitas às pessoas que amo. Elas viajarão pelo espaço sem nada tocar, sem contágio, sem medo. E pousarão suaves ao lado dos meus amados.”

E você? Qual é a palavra que lhe traduz? Qual a que lhe veste?

2 COMMENTS

  1. audade
    /au,a-u/
    substantivo feminino
    1.
    sentimento melancólico devido ao afastamento de uma pessoa, uma coisa ou um lugar, ou à ausência de experiências prazerosas já vividas (freq. us. tb. no pl.).
    “s. de uma amiga”

    É que tenho sentido ultimamente.😔

    • milAUSÊNCIA

      Por muito tempo achei que a ausência é falta.
      E lastimava, ignorante, a falta.
      Hoje não a lastimo.
      Não há falta na ausência.
      A ausência é um estar em mim.
      E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
      que rio e danço e invento exclamações alegres,
      porque a ausência, essa ausência assimilada,
      ninguém a rouba mais de mim.Carlos Drummond de Andrade

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