O dia em que o defunto mexeu

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Na sua casa o ritmo da vida é marcado pelas refeições? Por aqui, é bem assim. O dia começa com o café da manhã. Depois vem o almoço. Lá pelas três da tarde tem café com bolo e quitanda. Tá pensando que a gente fecha o dia com o jantar? Né, não. Antes das dez da noite ainda tem o chá com biscoito. E dá-lhe prosa à mesa. Foi numa dessas que o Papai veio com mais um “causo”.

Ele contou que foi a um velório na casa de amigos em uma comunidade rural. Todos se juntaram na sala velando o defunto. Conversa vai, conversa vem, pra espantar o frio e dissipar a tristeza, molhavam a prosa com trago da “marvada”. Eis que de repente alguém percebeu um movimento sutil na vestimenta do morto.

  • O morto tá mexendo mesmo ou são meus olhos?

Num segundo, o conversê cessou e todos se viraram pra olhar pro defunto. Constatação feita, só se ouviu cadeira virando, copo quebrando e gente gritando:

-O defunto tá vivo! O defunto tá vivo!

Na sala, só ficou a viúva, a única a assistir ao voo do besouro. Com a confusão armada na sala, o bichinho ficou tão agitado que conseguiu se soltar do terno do defunto e ganhar a liberdade.

Pra concluir o “causo”, Papai chorando de rir, comentou:

  • Deve ter gente correndo até hoje.

E como um “causo” inspira outro, ainda ontem, no café da tarde, meu cunhado João veio com um verdadeiro presente do amigo Arnaldo.

  • Gisele, ele pediu pra lhe contar. Disse que pode lhe render uma boa crônica.

A história, verídica, é boa mesmo. Arnaldo, filho do Seu Inhozinho e da Dona Lilica, morava na casa vizinha a dos meus avós. Como era muito amigo dos meus tios, estava sempre por perto. Numa dessas vezes foi abordado por uma cigana do acampamento montado no terreno em frente.

A cigana, astuta, lhe fez várias perguntas. Queria saber quem morava na  casa vizinha, qual era o nome das pessoas, quantos filhos, enfim, tudo sobre a familia, tim tim por tim tim. Arnaldo, que na época era um adolescente, não maldou e respondeu a tudo com a maior boa vontade.

Pouco dias depois, numa das visitas aos meus tios,  Arnaldo ouviu uma conversa entre a minha avó e minha mãe. As duas estavam impressionadas. A cigana era mesmo sábia. Afinal, ela tinha acertado sobre o passado e o presente da família e ainda tinha feito previsões futuras. Tudo isso lido nas cartas de baralho.

Sem se conter, Arnaldo disse a elas que se a cigana sabia era porque ele tinha contado. Pra decepção das duas, confirmou que tudo não passava de esperteza. O resultado vocês já podem imaginar, né? Farsa desmascarada, sem clientela, só restou à cigana levantar acampamento e buscar outra freguesia.

Se acredito nas cartas? Em astrologia, tarot, búzios, borra de café? “Há mais mistérios entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia”.  Essa afirmação está em Hamlet, peça escrita por Shakespeare no século XVII.  Só digo que se há o bem também há o mal. Mas aí  já é uma outra conversa. Fica pra outro dia.

4 COMMENTS

  1. É tão bom que não pensamos no fim… Fiquei procurando outros “ causos”!
    Adoro ler suas crônicas… suas palavras ganham vida!!👏👏👏👏👏😘

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