Bill Clegg e seu manual de sobrevivente das drogas

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Bill Clegg escreveu sobre seu vício em crack

Bill Clegg é uma exceção, muito mais que um sobrevivente. Explico.

Em “Retrato de um Viciado Quando Jovem” (Companhia das Letras), o agente literário narra seu inferno rumo ao poço sem fundo das drogas, o crack, especialmente. Seu relato capta o período em que o vício se tornou dominante até o momento em que resolve parar. Intercala curtas memórias da infância, tentando entender o que aconteceu para que ele chegasse naquele ponto.

Clegg tem dinheiro, posição e está em ascendência. Ou seja, na Nova York dos anos 90 significa portas abertas a quase tudo. As pedras o dominaram e o conduziram a um buraco de onde sair era praticamente impossível.

O livro não cai em definições e justificativas. Não tenta explicar o que acontece no corpo tomado pela droga. Clegg é cruel consigo.

Ele descreve suas buscas pela droga, sua imobilidade diante de dezenas de pedras à sua frente, a tentativa do namorado em recuperá-lo, seu retorno constante ao crack, suas visitas a hotéis, passeios com taxistas, um caos gerado e dominado pelo crack.

A narrativa é crua, sem firulas, sem mea culpa. Nem Clegg sabe como sobreviveu — é tocante quando ele se ressente de que pode morrer a qualquer momento, após uma compra final de crack. Um soco no estômago de quem acha que drogas são apenas vício.

Trecho

“Fecho as cortinas, coloco uma pedra em um dos cachimbos novos e, mais do que nunca, deixo as migalhas se espelharem pelo chão. Não tem importância. Eu não verei o fim dessa pilha. É impossível sobreviver a isso. Dou mais um tragada. E outra. E outra. Happy me deu oito cachimbos, e eu coloca crack em mais dois para não ter de esperar que um esfrie antes de fumar mais. Inalo fumaça sem parar por quase uma hora. Estou nu, respirando mais fumaça do que ar. Estou repleto de fumaça e me sinto quente, elétrico, gigante. Sinto-me sem peso na penumbra do quarto. Sou quase nada. Estou, afinal, prestes a ser nada.”

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