Projeto Miguilim leva obra de Guimarães Rosa para jovens

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Projeto Miguilim leva a obra de Rosa aos jovens
Jovens formados na oficina para o Projeto Miguilim | Foto: Ronaldo Alves

A obra de Guimarães Rosa continua a encantar e conquistar novos leitores pelo Brasil inteiro. E o Projeto Miguilim, que acontece na cidade natal do escritor, Cordisburgo, é uma iniciativa que busca levar jovens à obra roseana.

A referência do nome do projeto vem do personagem central do conto “Campo Geral”, parte do livro “Manuelzão e Miguilim”.

A proposta é fazer com que adolescentes e jovens narrem de cor trechos das obras de Guimarães Rosa como forma de divulgar o universo do escritor.

Para completar, os professores que estão à frente do projeto tentam recuperar a leitura em voz alta e explorar a oralidade da obra de Rosa. Maria Elisa Almeida, que dirige o Projeto Miguilim, conta que essa iniciativa nasceu com Calina Guimarães, prima do escritor, que, em 1993, voltou para Cordisburgo e reformou o Museu Casa Guimarães Rosa.

Ao criar o Grupo Miguilim, ela propôs a jovens que narrassem trechos da obra do autor no Museu. “Calina nos contava que alimentava um sonho da irmã de fazer alguma coisa pelas crianças e jovens de Cordisburgo, mas que na época não sabia exatamente o que seria”, diz Elisa.

No Museu Casa Guimarães Rosa, Gabriel Viana narra para visitantes | Foto: Ronaldo Alves

Quando Calina viu uma montagem de “Sagarana” feita por jovens, convidou os atores a serem guias do Museu. Depois, em uma apresentação no Palácio das Artes, de narrações de obras de grandes escritores, Rosa incluído, Calina percebeu uma solução para o projeto que tinha em mente.

“Ela nos chamou para ministrar as primeiras oficinas que iniciariam os jovens na arte de narrar literatura, para atuarem no Museu, como guias especializados narradores de Rosa. Nascia assim o Projeto Miguilim”, diz Elisa. Isso aconteceu em 1996.

Hoje, 24 jovens atuam diretamente no Projeto Miguilim e mais 19 estão em formação. Durante o ano, acontecem duas oficinas mensais. Em junho, mês que antecede a Semana Roseana, que acontece entre 16 a 21 de julho em Cordisburgo, são realizadas quatro oficinas. Ao lado de Elisa, Dôra Guimarães também dirige o projeto.

O projeto é direcionado a moradores de Cordisburgo. Para a pré-seleção, feita pela pedagoga Lúcia Goulart, os adolescentes precisam estar alfabetizados. Atualmente, podem ser inscritos a partir dos 9 anos. Quando completam o Ensino Médio, eles deixam o Grupo para continuar seus estudos.

A narração oral dos textos de Guimarães Rosa é feita no Museu, em sessões que variam de uma a três vezes por semana.

Elisa Almeida conversou com o Boas Novas MG a respeito do Projeto Miguilim e a obra de Guimarães Rosa.

Alice Souza narra trecho de “Grande Sertão: Veredas” | Foto: Ronaldo Alves

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Como atrair crianças e adolescentes para a obra de Guimarães Rosa?
Desde o começo do Grupo Miguilim, Calina Guimarães contou com a ajuda da pedagoga da cidade, Lúcia Goulart, que, junto aos professores das poucas escolas da cidade, convidava as crianças e jovens para entrarem no Grupo. Com o tempo, como o Projeto deu muito certo, ser um Miguilim passou a ser muito bem visto. Os jovens se educam em muitos campos, aprendem a enfrentar diversas plateias, ampliam seus horizontes, viajam com o Grupo para abrir eventos e participar de comemorações em escolas em diversas cidades do país. Em outras palavras, ser um Miguilim passou a ter um status na cidade. Aos poucos, então, as próprias famílias já nos procuram para inscrever os filhos. Agora, nem conseguimos atender a toda a demanda.

A narração oral de Guimarães Rosa facilita a compreensão do universo do escritor? 
Sem dúvida, facilita. Uma das genialidade do autor é levar para dentro de sua obra a cadência do falar do homem do sertão. Qualquer leitor solitário que queira experimentar ler em voz alta um trecho de Rosa que lhe parece obscuro será beneficiado com a oralização de seus textos. Acredito que a narração oral dos textos atualiza uma música que está lá pronta para ser fruída.

Como eles fazem a transição da leitura para a oralidade?
A formação dos jovens no Grupo Miguilim inclui compreender o texto e buscar narrá-lo com emoção e naturalidade. Esse processo descortina a grande poesia e musicalidade que está na obra, sem falar na filosofia. Trabalha-se primeiro o texto escrito, sua compreensão. Depois, passamos para a leitura oral, buscando o ritmo e emoção do texto. Só a partir daí é que ele será memorizado.

Maysa Silva em ação, narrando “Tutaméia” | Foto: Ronaldo Alves

O que esse projeto proporciona aos jovens?
O projeto proporciona uma educação combinada da sensibilidade, do pensar e da cidadania. Como é sabido, a literatura roseana é muito rica, cheia de poesia e de sabedoria, muitas vezes subjacentes ao que está sendo contado. E os jovens Miguilins, à medida que vão adquirindo maior experiência na narração, se apropriam mais dos textos, promovendo uma divulgação de forma viva. O Museu Casa Guimarães Rosa, onde eles atuam, é um dos mais visitados de Minas Gerais. A responsabilidade de enfrentar públicos variados para narrar os trechos de cor, desde turmas de adolescentes de escolas públicas até estudiosos e especialistas na obra roseana, proporciona aos jovens narradores a construção e fortalecimento da própria autoestima, pois vivenciam a capacidade de emocionar as plateias de visitantes. É claro que nem tudo são flores. Não raras vezes eles enfrentam plateias que não foram educadas para ouvir ou não se interessam por aquilo, naquele momento.

Qual a importância desse projeto para Cordisburgo e a obra do escritor?
O projeto tem uma importância enorme, pois, aos poucos, ao longo desses 22 anos, aquela Cordisburgo que, conforme a Calina Guimarães diagnosticou, não conhecia a obra de Rosa começa a conhecê-lo mais. E, aqui, o caminho principal dessa descoberta nem é o caminho da leitura, apesar de que, sem dúvida, ela deva ter aumentado. As famílias e amigos dos quase 200 narradores que já passaram pelo Grupo passaram a conhecer Rosa por meio das vozes dos jovens Miguilins.

E para o público que visita Cordisburgo?
Também o público de fora da cidade se beneficia bastante. As Semanas Roseanas atraem gente de muitas partes do país e, nelas, as sessões de narrações com o Grupo Miguilim são o ponto alto. Sem falar nas visitas constantes ao Museu, durante todo o ano, de público bem variado que, muitas vezes, se sente convidado a ler os livros do escritor cordisburguense, após ouvir um trecho narrado pelos jovens embaixadores de Rosa.

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