De tereretetê com Nossa Senhora

Você tem um mês do coração? O meu é maio. Não por acaso nasci num dia de Santa Rita de Cássia. Em 22 de maio. Privilégio, né? Desde então a gente é unha e carne. Essa querida é minha confidente. Ouve toda as minhas agruras. É a ela que peço socorro nos momentos difíceis. E olha que dou trabalho, viu? É um tal de pedir isso, pedir aquilo. Nossa Senhora está sempre ali. Presente, atenciosa, bondosa, generosa como todas as mães.

E não pense que esse meu tereretetê com essa Senhora é recente. É coisa das antigas. Ainda bebê,  nascida de pouco, saúde delicada, minhas avós, a materna e a paterna, apelaram a Santa Rita. Pediram  pela minha recuperação. Minha mãe andava exausta e meu pai pai, coitado, estava rouco de tanto cantar o “alecrim dourado”.

Tentativa vã pra me fazer dormir. No desespero, as minhas duas avós propuseram um “acordo” à Santa. Se ela me curasse, eu só usaria azul e branco até os sete anos. E mais,  iria visitá-la em Aparecida. Santa Rita cumpriu a parte dela com louvor.  Sarei de tudo. Também não fiz feio. Cumpri parte do acordo. Usei as cores do manto de Nossa Senhora durante sete anos. Ainda hoje é assim. Essas são as minhas cores.

E quanto à segunda parte da promessa? Ahhh, essa demorou. Só fui a Aparecida aos 18 anos. Depois disso virei figurinha carimbada na Catedral. Volta e meia dou pinta por lá.

E se mexo na caixinha de memórias, aí não tem jeito. Lá vem outra e mais outra. Aí é só Deus na causa. É lembrança que não acaba mais. Se chega maio, então, não dá outra. Era  – e ainda é –  o mês da coroação de Nossa Senhora. Pra dar conta do frio, Mamãe nos vestia com várias camadas de roupas. Por cima ia a camisola de cetim. Algumas eram azuis; outras  brancas. Tinha também as rosas. Todas em tons bem pastéis. A gente ainda ganhava luvas, asas e coroas. Um deslumbramento. Ao final da missa, em fila, todas as meninas cantavam a plenos pulmões:

“A 13 de maio
Na cova da Iria
No céu aparece
A Virgem Maria (…)”

A cantoria só parava quando nos postávamos em frente ao altar. Quem tinha a melhor voz e a melhor afinação subia na frente e ganhava o lugar de honra. A glória máxima era colocar o véu e a coroa de Nossa Senhora. Coordenadora da coroação, a  São do Raul usava o mesmo critério para a escolha da menina que colocava o terço. Outras duas depositavam palmas ao pé da Virgem Maria. 

Se cheguei a colocar véu e coroa? Nunquinha. Infelizmente, tive carreira curta. Só cheguei na categoria das palmas.  Para minha decepção, aos nove anos Mamãe interrompeu a minha curta carreira de anjo e pôs um ponto final no meu sonho de chegar ao estrelato. Cresci depressa demais.

• Você já está grande demais para coroar.

Essa honra não foi só minha.Todas as seis irmãs coroaram Nossa Senhora, mas nenhuma chegou ao estrelato, exceto a Gilda. Ela colocou o véu. Quase chegou lá.  Mesmo assim, a maioria só guarda boas lembranças dessa experiência. A  exceção é a Lulu, vítima de um beliscão que levou da Cida. Lulu acha que a agressão gratuita deveu-se à inveja da coleguinha. 

• Talvez porque eu vivia sorrindo no altar. Ou, quem sabe, porque a minha camisola era mais bonita? Ainda se pergunta a Lulu.

A São do Raul teve outro entendimento.

• Pare de chorar. Da próxima vez deixo você colocar a palma.

A Lulu e a Cida cresceram. Hoje, são mães e se dão muito bem. A São do Raul nos deixou faz tempo. Está no colo de Nossa Senhora. A Lourdinha da Inhá, dona do melhor cartucho de amendoim que um anjo pode querer, também se foi. Por aqui, a tradição continua com a Bete. Juju, que de anjo só tem a aparência, representa as mulheres da família no altar de Nossa Senhora.

E sobre o cartucho? Temos a receita:

Ingredientes:
• 1 copo de amendoim cru com casca (200ml)
• 1 copo de açúcar (200ml)
• 1 copo de água (200ml)

• Junte todos os ingredientes em uma panela funda e misture bem para que o açúcar comece a dissolver.
• Leve ao fogo médio mexendo de 5 em 5 minutos.
• Quando a mistura começar a engrossar mexa constantemente até que dê o ponto (todo o açúcar fica grudado no amendoim).
• Assim que der o ponto retire o amendoim da panela e coloque em uma travessa para esfriar.

• Sirva em cones de papel que é pra manter a tradição.