A relação entre política e esporte no Chile durante a ditadura

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Carlos Caszely, ídolo do Colo-Colo na época da ditadura

A política está, sim, no esporte. E essa ligação é tratada de uma forma muito interessante e didática no curta-metragem “Todos Querem Colo-Colo”, dirigido por Murilo Megale e disponível no canal no YouTube do Peleja — o vídeo desse minidocumentário de pouco mais de 17 minutos está no fim deste texto.

A película mostra como o clube mais popular do Chile ficou marcado por ter sofrido intervenções políticas durante a ditadura de Pinochet no país, entre 1973 e 1990. Exatamente pelo fato de ter vários torcedores, o Colo-Colo foi usado no período do regime, de olho em sua imensa base popular. O fato de ter conseguido, entre outros tipos de favorecimentos, acordos melhores de transmissão de suas partidas, fez a imagem de Pinochet ser ligada até hoje ao clube.

Se os torcedores adversários, especialmente os da Universidad de Chile, não deixam o assunto morrer, os fãs do Colo-Colo fazem de tudo para se livrar dessa associação. O ditador chegou a ser nomeado presidente honorário do clube, título derrubado por meio da pressão dos torcedores em um plebiscito em 2015.

Casos como esse são retratados de forma bem direta no documentário, recheado por entrevistas com jornalistas locais e um personagem fundamental para entender melhor esse período negro do país vizinho. Os produtores estiveram frente a frente com Carlos Caszely, ídolo do Colo-Colo nos anos 1970 e um símbolo de resistência ao regime.

Caszely se recusou a cumprimentar Pinochet em um evento e o reflexo foi a prisão de sua mãe, Olga, torturada naquela época. O trecho de um depoimento da mãe do craque é um dos pontos altos do documentário. Passagem assustadora, mas que alçou o jogador a ídolo não só do Colo-Colo como de todo o país, por mais que, após o episódio, imagens suas fossem difíceis de serem vistas, mesmo que ele não parasse de fazer gols.

Consciência

Os assuntos que envolvem a ditadura no Chile são tratadas de forma bastante consciente, o que reforça a importância de saber bem sobre o passado para que ele jamais se repita. O Estádio Nacional, palco de torturas e assassinatos durante o regime militar, tem um espaço vazio desde 2010, separado do restante das arquibancadas, com os dizeres: “Um Povo Sem Memória é Um Povo Sem Futuro”. Os números, assustadores, chegam a 20 mil pessoas mortas, torturadas ou desaparecidas no maior palco do futebol chileno.

Esse é um dos assuntos tratados no documentário. Um torcedor da Universidad de Chile, que manda seus jogos no estádio, fala sobre o tema mesmo sem ter vivido na época. Outros torcedores jovens, do próprio Colo-Colo, rechaçam seu atual camisa 10, Valdívia (ex-Palmeiras), por apoiar o presidente Sebastián Piñera, que traz em seu discurso tristes semelhanças com Pinochet.

Outro tema citado foi o vergonhoso episódio da classificação do Chile para a Copa de 1974, na Alemanha. O país disputava uma repescagem com a União Soviética, que se recusou a jogar no Estádio Nacional exatamente pelo fato de o local ser palco de torturas e assassinatos. O Chile entrou em campo sem adversário, empurrou a bola para o gol vazio e consolidou o mais deprimente 1 a 0 da história do futebol. Detalhe: o Santos foi ao local logo depois para jogar um amistoso e venceu a seleção local por 5 a 0.

Premiação

O minidocumentário conquistou o prêmio de melhor curta-metragem na última edição do Cinefoot, festival de cinema e futebol da América Latina. Prova a importância dos trabalhos que não deixam a memória se perder e da associação entre os temas (política e esporte) jamais pode ser deixada de lado.

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