Dos rituais ancestrais à mesa posta

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Imagem - redes sociais
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Certamente já comentei que aqui em casa o tempo é regulado pelas refeições compartilhadas à mesa com a família. Começamos pelo café da manhã. Xícaras postadas sobre pires e esses sobre pratos de sobremesa, que é para acomodar o pão ou bolo. Tem também garfo, colher para mexer o café e guardanapos, porque ninguém merece uma boca suja, né mesmo? Depois vem o almoço, mesa posta de novo; no meio do dia, café da tarde com a mesma estética do início da manhã. E, por fim, o jantar com tudo a que se tem direito, ou seja, prato, faca, garfo, (colher quando há sopa no cardápio) copos e guardanapos.

Excesso! Não. Mas, pra que tudo isso? Cultura herdada da minha mãe, que por sua vez herdou da minha avó e por aí vai. Se somos ricos? Sim. Da graça de Deus. Dinheiro que é bom ninguém…
Não estamos sozinhos. Ainda outro dia, em uma conversa informal com uma vizinha muito querida, descobrimos que entre as muitas afinidades, apreciamos uma mesa bem montada. Gostamos de louças e talheres lindos, o que significa infinitas comprinhas em sites especializados. Haja dindim. Outra amiga também amada entrou na conversa e confessou que cultiva o mesmo gosto.
Mas não pense que isso é comum. Para muitas pessoas mesa posta é vista como algo supérfluo. Só que não. Na verdade, representa uma herança cultural secular – em alguns casos, até milenar – refinada ao longo do tempo. Como sei disso? A jornalista raiz que mora em mim, depois dessa conversa aparentemente banal, foi pesquisar.
Pesquisa daqui pesquisa dali, li no site Prato Feito que a faca que conhecemos hoje provavelmente surgiu na Idade do Bronze e do Ferro. Marcou a transição da pré-história para a história. Foi nesse período que ela começou a se diversificar, dando origem à faca de cozinha e à faca de mesa, à faca para caça e à faca para rituais.
As colheres surgiram na mesma época. Li no site que é difícil afirmar qual das duas veio primeiro. Essa falta de informações gerou até algumas fantasias, como a de que Eva, ao observar o desenho de uma concha de ostra, descobriu o utensílio perfeito para ingerir líquidos. Quanto às colheres, sabe-se concretamente que os romanos as incorporaram às refeições.
Os garfos, por sua vez, foram objeto de muita controvérsia e só chegaram bem depois, lá pelo século XI. De acordo com o Prato Feito, os registros mais antigos remontam a um candidato a santo católico que criticou uma princesa, esposa do governante veneziano, por usar um objeto de duas pontas para pegar pequenos pedaços de comida. O instrumento, argumentava o cardeal, lembrava uma lança utilizada pelo demônio para atormentar os condenados ao fogo eterno. Além disso, impedia o contato direto com o alimento, considerado um presente divino. Coincidência ou não, a tal princesa faleceu pouco tempo depois, morte considerada por muitos como um “castigo de Deus”.
Tá lá no site que séculos se passaram até que essa novidade chegasse à França, isso por volta de 1530. Caterina de Médici, originária de Florença e futura rainha, trouxe consigo um conjunto completo de talheres, incluindo garfo, faca e colher. Um século mais tarde, o garfo reapareceu nos banquetes do rei francês Luís XIV, famoso por promover muitos dos comportamentos à mesa que conhecemos hoje. Foram necessários mais 200 anos para que o uso do garfo se popularizasse.
Continuando a pesquisa confirmei algo que já sabia: para não fazer feio em ambientes diversos a regra de ouro é começar a praticar em casa. Manusear o garfo com a mão esquerda requer prática para quem não está acostumado. E o lar é o melhor ambiente para aprimorar as boas maneiras, já que no ambiente doméstico não há pressões externas. Obrigada, Mamãe!
Quanto à disposição dos objetos à mesa, não se estresse. Ao contrário do que algumas pessoas pensam, o objetivo é facilitar tanto para quem serve quanto para quem se alimenta. Vale a regra de ouro que é usar sempre os talheres de fora para dentro. O de sobremesa fica sempre à frente do prato. Não tem erro.
O texto que me serviu de fonte pra toda essa nossa prosa diz que essa disposição dos talheres à mesa também remonta a tradições que vêm sendo passadas ao longo dos séculos. Por exemplo, virar a faca para dentro remonta à Idade Média. Era um gesto para mostrar que o anfitrião estava desarmado, uma espécie de sinal de paz para o banquete.
No Oriente raramente se usa garfo e faca. Usa-se o hashi (em japonês) ou k’uai-tzu (em chinês) ou jeotgarak (em coreano). No Brasil esse objeto é o famoso “palitinho”, instrumento utilizado pelas culturas orientais desde a antiguidade. A tradução do termo nipônico para o português também é simbólica. Hashi significa “ponte” que liga o homem ao alimento.
Assim como os talheres ocidentais, o hashi tem diferentes funções. Existem aqueles específicos para comer, cozinhar e pegar alimentos. Além disso, há variações estéticas, inclusive entre diferentes países. Aprendi com influencers Su Yun Yang e Gabriel, mãe e filho coreanos que vivem em Brasília, que o jeotgarak é de metal. Originalmente era feito em prata. Isso porque na Coreia esse metal era usado para identificar se havia veneno na comida. Se o prato servido estava envenenado, o jeotgarak mudava de cor.

Mãe e filho contam também que o k’uai-tzu chinês é longo porque na China as mesas são redondas.
Há muito mais a se contar. Essa conversa ainda vai longe. Mas fica para outra hora. Indo. A fome apertou. Pausa para o café da tarde. Com pão de queijo e bolo, obviamente. Até mais.

8 COMMENTS

  1. Quanta informação Gi, muito bem! Aprendi muito.
    Adoro comprar xícaras, pratinhos, talheres diferentes! Toda viagem que faço, não deixo de comprar pelo menos uma.Meu filho diz que sou viciada 😊

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