Quantos domingos até o Natal?

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Imagem -Pixabay
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Em um de seus textos memoráveis o Cláudio Chinaski contou que anda marcando seu tempo pelo tempo dos bichos. “Tantos anos desta gatinha, tantos anos que este foi resgatado, tantos dias que aquele bichinho morreu…”
Não deu outra. Foi a deixa para que a minha memória afetiva desse um giro de 360 graus. Cai de ponta nos tempos da delicadeza. De quando o calendário da minha sobrinha Iara era marcado por eventos que lhe faziam sorrir:

  • Tia Gisele, quantos Trapalhões faltam para o Natal?

Lembro que a pergunta despretensiosa e pueril me pegou de calça na mão (ops!). Primeiro, a surpresa; depois, o deserto de palavras. O que responder a essa menininha que marcava o seu tempo pelos sorrisos doados generosamente por uma trupe de palhaços?

Passada a surpresa (ou foi o susto pela pergunta inusitada?) chegou a hora da tia coruja buscar o seu lado pragmático, o que, na verdade, estou longe de ser. Lá fui eu colocar o cérebro na roda. Logo euzinha. Aquela que nunca foi íntima dos números (sou de humanas, tão lembrados?). Voltando aos cálculos, se o programa ia ao ar nas manhãs de domingo logo seriam quatro programas por mês. Recorrendo à folhinha (ops!) contei quantos meses teríamos pela frente até o Natal. Soma daqui, multiplica dali muitos minutos levando e conta a minha falta de intimidade com os números, eis que, finalmente, orgulhosa do meu feito, cheguei a uma resposta:

  • Iarinha, até o Natal você ainda vai assistir a mais 59 Trapalhões.
  • Tá bom, Tia Gisele!

Satisfeita com a resposta, ela sorriu e voltou a brincar. Uai! Só isso? E os meus aplausos? E o agradecimento pela superação? O beijo, o abraço?
O tempo voou e aquela pessoa se tornou uma linda mulher com alma de menina. Delicada e preciosa. Quanto a mim, ainda lido com dificuldade se a divisão é por dois números. Anda bem que não vivo sem a abençoada calculadora do celular. Necessária demais.

No dia a dia somo dificuldades e me perco contabilizando perdas. As de Zacarias e Mussum inclusive. Adição, subtração, multiplicação e regras de três á parte, tento levar a vida com delicadeza. Que me desculpem as amigas reais e virtuais. Aquelas que insistem em romantizar o envelhecimento. Na real? Acumular idades é tarefa para os fortes. Tá aí uma legião de cinquentões e cinquentonas que não me deixa mentir. Para nós, os domingos dos Trapalhões, dos Chaves, Faustões e Sílvios Santos somam tempo demais para quem está à espera de um feliz Natal.

Sobre envelhecer, em um post recente o querido colega Mauricio Lara relembrou Gabriel Garcia Marques. Em “Memória de minhas putas tristes” o narrador, um senhor de 90 anos, diz que depois de certa idade a gente passa a contar a idade em décadas e não em anos. Assim “nos quarenta, nos cinquenta…” Nos cinquenta todo mundo é mais novo que a gente; nos sessenta a gente descobre que não pode mais se enganar; nos setenta é hora de ficar esperto porque podem ser os últimos. Como ainda não setentei conclui-se que continuo e ando insistindo em ser mais esperta. Sem muito sucesso, admito.

E se esse assunto é espinhoso, para apaziguar a alma e amansar o espírito melhor voltar ao delicioso texto que me provocou essa enxurrada de lembranças. O ” Seu Cráudio” conta que ao caminhar com a bicharada naquela manhã, enquanto o sol nascia de um lado, a lua se punha do outro. Não deu outra. O espetáculo da natureza o lembrou de Ladyhawke. Naquele cenário, certamente “os amantes ganhariam alguns minutos juntos”.

A propósito, se você não tá lembrado, Ladyhawke é um filme de 1985. No Brasil recebeu o título de “O feitiço de Áquila”. O roteiro conta a história de bispo enciumado que lança uma maldição sobre um casal apaixonado. Durante o dia a mocinha é transformada em falcão e à noite o cavaleiro toma a forma de um lobo. Dessa maneira nunca poderiam se entregar um ao outro. Sem mais spoilers, porque se você ainda não viu vale a muito pena resgatar esse filmaço perdido no mundão cibernético.

Fiquem bem. Isso vale pra todo mundo, inclusive pra mim. Até mais ver.

4 COMMENTS

  1. Você pode não romantizar a velhice e até ter dificuldade com a matemática das perdas e dificuldades que a vida vem trazendo com o tempo.Mas você sabe como ninguém poetizar a rotina,dar cor para o que parece banal, enriquecer as experiências com uma vasta e preciosa intimidade com a literatura.
    E ainda compartilhar com todos . Isso faz um bem danado pra gente que está no mesmo barco,com as mesmas dúvidas.
    Então hoje meus aplausos e agradecimento a você.
    Que me ajuda, e deve ajudar um monte de gente nesta busca.Com sua habilidade com as palavras você desperta nossos sentidos, sentimentos e compreensão desses
    mistérios que a vida vem nos apresentando com o tempo.

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