Biscoitos que contam histórias

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Sequilhos preparados com a receita da Vovó Cocota; para os interessados, receita abaixo. Foto - arquivo pessoal
Sequilhos preparados com a receita da Vovó Cocota; para os interessados, receita abaixo. Foto - arquivo pessoal

Numa tarde dessas a Denise foi pra cozinha e mexe daqui, mexe dacolá, nos presenteou com deliciosos, torradinhos e crocantes biscoitos de polvilho. Bastou o primeiro “croc” para que uma verdadeira cachoeira de memórias brotasse. E dá-lhe conversa em torno da mesa.

Papai lembrou da infância vivida na Fazenda da Boa Vista. De 15 em 15 dias a avó Donana, a mãe Liberalina e as tias se juntavam para preparar latadas de biscoitos. Os tarecos e sequilhos eram reservados pras visitas; os de polvilho, bem torradinhos, em forma de pulseira, ficavam para o consumo da família.

Papai contou que nas madrugadas saía com os tios pra campear o gado. A vestimenta grossa protegia do frio, dos mosquitos e dos espinhos. Nos braços, por cima da roupa, ostentavam um adorno: os biscoitos em forma de anel se encaixavam uns sobre os outros, formando uma pilha que ia do pulso ao antebraço. Lá pelas 9 horas, quando o sol estava a pino e a fome apertava, o “enfeite” de polvilho era devidamente consumido, amenizando a fome até que fosse a hora do almoço.

Mas a nossa memória não se alimenta só de biscoito de polvilho. Há outras quitandas que também contam histórias da família. Tem uma, essa do lado materno, que aconteceu em plena Segunda Guerra Mundial. Havia escassez de alimentos. Grande parte da produção alimentava as tropas. Alguns produtos viraram raridade. Açúcar branco era um deles. Quem tinha um punhado guardava que nem um tesouro.

Vovô Neném era agente de trem da antiga Viação Ferroviária do Centro Oeste. Em uma das viagens, foi presenteado com um pouco de açúcar. Menos de um quilo. Vovó Cocota, felicíssima, tratou logo de fazer um sequilho pra fazer a preciosidade render. Não se sabe se atraído pelo perfume do biscoito recém assado ou se foi por acaso, eis que chega um compadre pra visitar a família. Conversa vai, conversa vem, Vovó, como era de hábito, para agradar a visita, ofereceu sequilhos ao visitante. O compadre comeu um, comeu dois e no terceiro saiu -se com essa:

  • Comadre, esse biscoito tá tão bom que vou levar o prato pra Maria. Faz tempo que ela não vê um desses. Comer, então, só se for em sonho.

Dito isso, o compadre se despediu e lá se foram os biscoitos para tristeza da Vovó e de toda família. A iguaria só voltou a ser servida pós-guerra. Ainda hoje, três gerações depois, é só aparecer um sequilho que a história do compadre volta a pautar a conversa.

E por falar em quitanda, os bolos da família também contam história. Mas essas ficam pra uma outra vez.

Ah, se tem receitinha? Tem, sim. Do biscoito de polvilho. Anote aí.

Biscoito de polvilho

1 quilo de polvilho azedo
2 copos de leite
1 colher de sopa de sal
1 copo de óleo
2 ovos inteiros

Modo de fazer:

  1. Sove bem o polvilho com o copo de leite e a colher de sal.
  2. Ferva o outro copo de leite junto com o copo de óleo e escalde a massa que você fez com o polvilho.
  3. Espere esfriar e acrescente dois ovos inteiros. Amasse tudo, juntando água até o ponto desejado – que deve ser mais mole que a do pão caseiro.
  4. Esprema os biscoitos em saco próprio, de confeitar bolo, com bico de metal.
  5. Se não tiver um, então esprema no pano de saco, depois de fazer um furinho do tamanho de um dedo pequeno.
  6. Coloque os biscoitos num tabuleiro untado com óleo. Use forno bem quente a princípio. Depois que eles estiverem crescidos, deixe em forno brando até secar bem.
  7. Se quiser, você pode assar os biscoitos em cima de um tabuleiro forrado com folha de bananeira, à moda da roça. Uma delícia!

6 COMMENTS

  1. Saudades de ouvir as histórias dos meus velhos!!! Essas ficam para sempre em nossas memórias e confortam nossos corações. Amei!!!!

  2. Uma leitura gostosas no café da manhã de domingo! Obrigada! Toda semana me pego me deliciando dessas lembranças registradas pela amiga Gisele. São demais e cheias de sabores e gostos de experiências.

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