Amigo é casa, como as tantas construídas pelo Seu Osvaldo

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Seu Osvaldo, um construtor de
Seu Osvaldo, um construtor de "casas" ao longo da vida. Foto - Família Bicalho - arquivo pessoal

Capiba e Hermínio Bello de Carvalho são autores de uma canção belíssima. A música “Amigo é casa” descreve tim por tim como se constrói uma verdadeira amizade. Se você ainda não ouviu, acredite, não sabe o que está perdendo.

Os autores dizem que amigo é feito casa que se faz aos poucos. Mas há que se ter paciência pra amizade durar pra sempre. É preciso também não economizar no tijolo e na terra. E pra protegê-la das chuvas e dos ventos indicam o método do joão-de-barro.

Dizem que a casa é amizade construída aos poucos, “com beira e tribeira, com gelosia feita de matéria rara e altas platibandas, com portão bem largo, que é pra se entrar sorrindo nas horas incertas sem fazer alarde, sem causar transtorno.”

Em outro trecho remetem a um tempo que a gente viveu antes da pandemia. Dizem que “amigo que é amigo quando quer estar presente faz-se quase transparente sem deixar-se perceber”. Tem mais. Afiançam que amigo é pra ficar, se chegar, se achegar, se abraçar, se beijar, se louvar, bendizer. Bonito, né? Dá saudade.

Na canção fica decretado que amigo a gente acolhe, recolhe, agasalha e oferece lugar pra dormir e comer. Que o verdadeiro amigo não puxa tapete e oferece pra gente o melhor que tem e o que nem tem. É aquele que faz o que pode e reparte o seu coração que nem pão.

Quer saber por que me identifico tanto com essa canção? Porque por aqui é bem assim. Ao longo da vida, Papai construiu muitas casas. Quando adoeceu e agora, ainda em convalescência, as portas se abriram e ele está encontrando abrigo em muitas “casas”.

  • Oi, seu Osvaldo! Como o senhor está?

Não, não se trata de uma frase banal, de um mero cumprimento. Né, não. É que nem um mantra. Se repete ao longo de todo o dia. Mais que um “oi”, é preocupação, cuidado real.

E as muitas intenções nas missas, as orações diárias e os incontáveis terços rezados até por pessoas que a gente nem conhece? Há ainda os telefonemas, as inúmeras mensagens nas redes sociais e presentes. Muitos presentes.

Se a campainha toca é o Tiedson trazendo mandioca, quiabo e abacate. Tio Francisco oferece ora-pro-nóbis, um santo remédio pra acabar com a anemia. Lu presenteia com biscoito de banha e biscoito torrado. Ela ficou sabendo que Papai ama. Do João Cabral ganhou peixe assado e do Gabriel, limão galego que veio lá de Estrela. Afinal, tem muita vitamina C. Dr. Lissandro disse que é bom, porque ajuda a manter o ferro no organismo.

Não sabemos quem foi, mas uma pessoa generosa deixou uma sacola de frutas na varanda. Deve ter pensado assim:

  • Quem sabe ajuda a abrir o apetite? Ouvi dizer que está comendo bem pouquinho.

E o Paulinho, outro filho do coração, trouxe biscoitos de queijo recém assados e um litro de leite.

  • Está bem fresco e gordinho. Veio lá do sítio do Ronaldo.

A campainha está tocando de novo. Juraci chegou com um pedaço de fígado e a Leila, nossa vizinha, apareceu no portão trazendo uma sacola de limão tahiti e um beijo do Dandam, um dos muitos netinhos que o Papai agregou à família do coração.

É! Em se tratando do Senhor Osvaldo a gente pode dizer sem medo de errar. Ele não construiu uma casa. Papai é o feliz proprietário de um enorme condomínio. E aí me vem à cabeça outra canção. Aquela do Milton e do Fernando Brant que diz bem assim: ” Amigo é coisa pra se guardar do lado esquerdo do peito, dentro do coração (…)”.


Para quem não conhece, ou para quem quer relembrar, Zélia Duncan interpreta “Amigo é Casa” no vídeo abaixo, acompanhada no violão por Nelson Faria.

9 COMMENTS

  1. Como não se emocionar com as moradas que o velho Oswaldo construiu ao longo dos seus 90 anos.
    Que o bom o cubra de bençãos.
    Lindo…lindo

  2. Não só é lindo o texto como tenho o privilégio de ser genro do personagem protagonista. “Seu” Oswaldo, sempre escrevi com W como a Lulu, é um ser humano de luz, mineirinho cheio da sabedoria das alterosas, daqueles com que a gente logo se encanta. Criado em fazenda, na lida em contato com a natureza, gosta das plantas, dos bichos, enxerga a chuva olhando o céu, analisa detalhes que muitos não percebem, sobre a vida, sobre os homens, sobre a dignidade, sobre o valor do trabalho. Identifica logo entre os que são respeitáveis e os que nada valem, conhece a política como quem a pratica em favor das pessoas e sabe logo quem são impostores apenas. Esse sábio de 90 anos sempre me dá o prazer de papos importantes, filosóficos, engraçados e construtivos, que têm muito me faltado nesses tempos de pandemia. Muita saudade do velho Oswaldo aqui de Brasília. Por ser grande assim, como ser humano, é que recebe tanto carinho e demonstrações de afeto em Conceição do Pará. Mais que merecido. Ele é um patrimônio humano de sua terra. Uma pessoa pra se amar e observar. Beijos no coração da filha escritora e do pai tão querido.

    • Coisa mais linda, Marcel! Sabe quando a gente não sabe o que dizer? Bem assim. Só consigo lhe retribuir em amor, sentimento que por aqui é mato. Beijo. Muito beijo.

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