Das cartas que não mandei

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Imagem de Michal Jarmoluk - Pixabay
Imagem de Michal Jarmoluk - Pixabay

Em um texto mais antigo lá veio, mais uma vez, a prima a me cutucar com a vara curta. Questionada sobre a última coisa que faria antes de morrer, respondeu que escreveria cartas. “Assim, de bate pronto. Pááá.”

Em um texto primoroso, a prima querida narrou que pensou nas pessoas que ela gostaria de falar coisas que nunca tinha dito. “Fiquei surpresa por nenhuma carta ser amorosa. Algumas eram honestas, outras, vi sendo abertas levando um punhal apontando pra garganta. Nada que deixasse a pessoa feliz ou que ela sentisse vontade de mostrar pra alguém. Imaginei que o único destino dessas cartas, depois de lidas, seria o fogo.”

Acostumada a lidar com as emoções humanas, por formação e por natureza, a prima foi na jugular. “Queimar, afirmou, é uma metáfora boa para usar nas relações que foram ou que têm sido textos sem uma pontuação precisa.”

E ainda alertou: “Reparem. Essa minha iniciativa – de investir a última gota de energia antes da morte – me mostrou que eu tenho pendências. E eu nem sabia desses desajustes. Vocês vejam que na véspera da minha morte ainda estou descobrindo algo novo a tratar comigo (…).”

Esse tal de “tratar comigo” costuma doer. Mesmo que seja no momento que antecede à morte.

E sobre dores eu entendo bem. Como agora, por exemplo. Botar a cabeça pra fora ou – pra ser gentil comigo – dói emergir dos anos sabáticos a que me permiti (ou que me foram doados sem que eu pedisse?). E dói muito.

Mas, voltando às cartas, certamente, a exemplo da prima, as amorosas estão descartadas. Não tenho pendências nessa categoria. Quanto às outras, ainda há muito a relatar. Talvez seja essa a melhor hora para exorcizar alguns fantasmas, protagonistas que são de relações que deixaram várias interrogações. Todas ainda sem ponto final.

7 COMMENTS

  1. Que beleza de texto! Já enviei e já recebi algumas cartas…. confesso que adoro.Aguardar pela chegada do carteiro sempre me despertou muitas emoções.💞☺️

  2. Já escrevi e recebi tantas cartas. Que ansiedade era a espera do carteiro. Muitas vezes a ansiedade era tamanha que do nada corria no correio pra ver se a carta havia chegado. Bons tempos.

  3. Eu sempre gostei de receber e escrever cartas. Já escrevi muitas. Literárias, poéticas, musicais aos parceiros, sobre shows a fazer, sobre dores e sonhos, e sobre amores. Mas já faz um tempo que não escrevo. As últimas, foram pra Maria Luiza, minha amada. Eu já morava em Brasília e ela em BH, Divinópolis e Campos dos Goitacazes. Namorávamos pelos Correios. E ela me escreveu lindas cartas. Depois nos casamos e não nos escrevemos mais cartas. Passamos a trocar juras de amor. Hoje, ao vivo e a cores. Sou um privilegiado. Ela é muito linda, verdadeira, um ouro de ser humano. Tenho muita sorte. Vivemos nosso amor plenamente. E já são 34 anos de história. Nossa “lovely song” é “você me dá sorte, meu amor, você me dá sorte na vida”. Além dela, tenho um querido amigo escritor que às vezes me manda cartas. Chama-se Danilo Gomes, e é um imortal da Academia Mineira de Letras, marianense, a quem carinhosamente chamo de “meu caro escriba”. Se fosse escrever alguma coisa às portas da minha partida, certamente dedicaria o texto às pessoas que amo, que fizeram minha vida valer a pena, com emoção, sentimento e sensação de humanidade, coisas que sempre me guiaram. E lá estariam além das duas pessoas queridas já citadas, meus grandes amigos de décadas, cuidadosamente cultivados. E os meus pais, meus filhos, meus avós. E você, Gisele, certamente estaria entre eles. Beijos no coração.

    • Coisa bela de se ler e guardar no coração. Maria Luiza certamente também é privilegiada. Vcs construíram juntos uma família linda. Obrigada por me incluir no roteiro da sua vida.💝📬✉

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