Sobre cobras, quero-queros e a lei da sobrevivência

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Os ambientalistas que me perdoem, mas tenho verdadeiro horror a cobras. Se estão ao vivo, enroscada em árvores ou rastejando pelo chão, não importa. Quero distância. Se possível, de quilômetros. Assistir a filmes sobre “Anacondas” e similares? Nunca, jamais, em tempo algum. Descobri “googleando” que não estou sozinha nessa vibe. Muita gente sofre de ofidiofobia.

Tem também quem não as tema e até quem goste de conviver com elas. Ainda em outro dia fiquei pasma ao ouvir, em alto e bom som, um senhor se gabando do filho que cria cobras dentro de um apartamento em Contagem.

– Ele tem até uma técnica pra se desvencilhar quando a danadinha se enrosca no braço dele, contou todo orgulhoso da astúcia do filho amante das serpentes.

E tem mais. Ele ainda contou que as cobras são alimentadas a cada quinze dias. Até ai tudo bem. Isso se não fosse o cardápio, que é de fazer inveja a qualquer roteiro de filme de terror: ratos congelados.

– Mas onde ele consegue “isso”? perguntei incrédula.
– Uai! Meu filho compra de um fornecedor.

Oiii? Tem gente que vive desse tipo de “comércio”? Meus Deus! Que coisa surreal. Fico aqui pensando no nome do “negócio”, na placa da loja. E o texto do anúncio do site de vendas? Desafio para publicitários premiados.

Se tem quem tema, quem evita, corre ou quem ame tanto que até traz pra dentro de casa, tem também aquele que se vale de muita esperteza pra se safar das cobras e evitar virar banquete.

O filhote de quero-quero é desses. É só aparecer uma predador que o passarinho aparece “morto”. Só que não. Quando se sente ameaçado o esperto finge ter ido dessa pra melhor. Pensando bem, tem muita gente que usa o mesmo truque. Ah, deixa pra lá. Isso aí já é uma outra história.

Voltando à vaca fria, o quero-quero é mesmo o rei da esperteza. E não podia ser diferente. Além das cobras, ele ainda tem que se defender de muitos outros predadores. Pra se livrar dos gaviões, cachorros e vacas, o danadinho faz voos rasantes sobre quem os ameaça. Teatro, né? Ele quer demonstrar apenas valentia, passar a impressão que não teme nada, nem ninguém, quando, na verdade, está se borrando de medo.

Com os humanos – outro predador – a estratégia é diferente. É só a gente se aproximar que o danadinho finge (é um ator) que está com a asa quebrada. E ai não há quem resista à cena. Vai aparecer “ortopedista” de todo lado querendo consertar o estrago.

Pensando que o kit de sobrevivência está completo, né? Que nada. O quero-quero ainda se vale da sua memória prodigiosa. Não importa quando se sentiu ameaçado. O certo é que meses depois o danadinho ainda é capaz de se lembrar do seu suposto predador. E ai dá-lhe bicadas em série e voos rasantes de fazer inveja aos pilotos mais experientes.

Cobras e quero-queros a parte, toda essa conversa me trouxe uma certeza: a maior armadura que nós, os humanos, temos contra os nossos predadores é a fé, o amor, a compaixão e o perdão. Pra essa constatação recorro aos salmos. Tem até trilha sonora. Som na caixa Jorge Ben Jor:

“(…) Eu estou vestido com as roupas e as armas de Jorge
Para que meus inimigos tenham pés, não me alcancem
Para que meus inimigos tenham mãos, não me peguem, não me toquem
Para que meus inimigos tenham olhos e não me vejam
E nem mesmo um pensamento eles possam ter para me fazerem mal

Armas de fogo, meu corpo não alcançará
Facas, lanças se quebrem, sem o meu corpo tocar
Cordas, correntes se arrebentem, sem o meu corpo amarrar
Pois eu estou vestido com as roupas e as armas de Jorge (…)
Perseverança, ganhou do sórdido fingimento
E disso tudo nasceu o amor
Perseverança, ganhou do sórdido fingimento
E disso tudo nasceu o amor.”

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