Mineira cria página no Face para ajudar familiares e cuidadores de pessoas com Alzheimer

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Novo remédio é esperança no tratamento do Alzheimer
Novo remédio é esperança no tratamento do Alzheimer

Conviver com enfermidades incuráveis não é, com certeza, tarefa fácil. Quando se trata de Alzheimer ou outra demência, então, o desafio se multiplica. Além de, muitas vezes, se poder contar pouco ou nada com a colaboração do paciente, é necessário tentar entrar em seu mundo, novo, para ele, desconhecido e estranho, para os que o cercam.

É preciso também aprender a conviver com sua despersonalização progressiva, com a perda constante de suas capacidades e saber administrar os muitos conflitos, inclusive familiares que, quase sempre, surgem quando se depara com o diagnóstico.

Atitude bastante comum, quando a doença é detectada em um ente querido, é a negação. A não aceitação da realidade acaba funcionando como defesa para maridos, esposas, filhos e filhas da pessoa doente. Há, contudo, os que optam por encarar o problema e tentar dar a volta por cima, organizando-se para tentar proporcionar ao ente querido a melhor qualidade de vida possível.

Assim que soube da doença da mãe, há mais de 20 anos, Cláudia Maria da Paixão, uma mineira radicada em Belo Horizonte, resolveu, sem pestanejar, deixar para trás as muitas diferenças que com ela tivera durante anos e anos, para procurar dar-lhe o suporte de que necessitava. O que fez, com afinco e amor, até a partida de Dona Libéria, em 2014.

Sua primeira iniciativa foi buscar informações sobre o Mal de Alzheimer nas páginas da rede social mais popular à época, o Orkut. Precisava de ajuda para dar conta do recado. Encontrou ali o caminho inicial, que seria adicionado aos cuidados médicos que recebia do profissional que tratava da mãe.

Os contatos esparsos no Orkut evidenciaram para Cláudia que era possível e necessário ir além. Foi quando surgiu, em sua vida e na de milhares, milhões de brasileiros, o facebook. Percebeu, rapidamente, que podia usar o espaço para o compartilhamento do seu problema com pessoas espalhadas pelos diversos cantos do Brasil, ou seja, mulheres e homens que se propunham a não deixar desamparados seus familiares, no momento em que mais necessitavam deles.

Mal de Alzheimer – Cuidadores

Cláudia criou, em um primeiro momento, a página Mal de Alzheimer – Cuidadores, e decidiu abri-la não apenas para parentes de pessoas com algum tipo de demência – o Alzheimer é apenas a mais incidente, de uma lista que muitos médicos afirmam já passar de 100 -, mas também para pessoas que passaram a se dedicar profissionalmente à doença. Atualmente, o grupo conta com 7.180 membros, incluindo alguns poucos do exterior.

Para tornar a página a cada dia mais interativa e dedicada às questões do dia a dia, Cláudia criou, também no Facebook, uma outra, a que chamou de Mal de Alzheimer – Cuidadores -Informações, voltada apenas para informações  e trabalhos científicos sobre as demências e para municiar os interessados de um conhecimento mais aprofundado sobre as questões que os afligem e que se encontram em debate.

Este grupo tem hoje 4.386 membros.  Ambos, Mal de Alzheimer – Cuidadores e Mal de Alzheimer – Informações, são grupos fechados, administrados por ela, mas cuja adesão exige apenas um pedido da pessoa interessada e o compromisso de respeitar as regras preestabelecidas.

O crescimento progressivo do grupo fortaleceu na própria Cláudia a convicção de que poderia dar conta de sua tarefa. “Encontrei pessoas com dificuldades iguais ou maiores que as minhas. Eu achava que não ia conseguir, mas via outras pessoas em situação pior”, assinala Cláudia.

Laços de solidariedade

“Fomos  nos amparando aos poucos, incentivando cada um a busca dentro de si da tolerância e da paciência, duas palavras que se tornam essenciais no cuidado com o paciente. Uma pessoa vai trazendo a outra e a comunidade cresce sem parar. As pessoas digitam no google procurando informações e acabam caindo na nossa página. Ali se cria uma irmandade, laços de solidariedade, incentivando as pessoas e facilitando sua convivência diária com o problema. Com pouco tempo, uma acabam entrando nas casas das outras, em sua intimidade”, acrescenta.

Na página interativa cabe quase tudo, segundo Cláudia. “Damos dicas para enfrentar as dificuldades do dia a dia. A pessoa chega e fala do problema que tem e pede ajuda. Exemplo: prisão de ventre. Já levou a médicos, deu diferentes remédios e não conseguiu resolver o problema. Aí alguém vem com uma experiência caseira, que não implica nenhum risco. Não discutimos medicação, nem médicos, que não são de nossa competência. Apenas ajudamos com dicas que refletem as dificuldades que cada um já enfrentou e como as superou”, afirma.

De acordo com Cláudia, demandas novas aparecem a cada dia. “Juntos, vamos encontrando e compartilhando as soluções: colocar pulseira no paciente, para o caso de se perder;  informações sobre como organizar a casa; dicas de comportamento com o paciente;  o que fazer quando o paciente, estando em sua casa, insiste em dizer que quer ir para ela; como lidar com  incontinência; uso de frauda; alimentação; cuidados com feridas; cuidados com acamados; interlocução com médicos, fisioterapeutas, nutricionistas, enfermeiros; informações de filmes sobre o assunto para serem baixados etc  etc  etc”.

Cláudia destaca que um dos temas mais recorrentes na página principal do facebook são as fragilidades emocionais dos cuidadores em lidar com suas tarefas:

– Muitas vezes a pessoa já entra chorando, diz que não vai dar conta, que o ente querido está acabando com a autoestima dela, que acha que há um desprezo do parente por ela.  Não entende que é da doença. A gente vai mostrando o porquê dessa sensação e as coisas vão chegando em seu lugar. É preciso que todos entendam que não estão lidando com pessoas normais.

Aconchego familiar

De acordo com Cláudia, aparecem cuidadores no limite de seu estresse. Até ameaça de matar o paciente, por exaustão, já apareceu na página, mais de uma vez, segundo ela. “Vamos para a conversa privada e começamos a dar dicas, a partir dos cuidados com o próprio cuidador, que também está precisando de ajuda. Ameaças de suicídio também aparecem, aqui e ali. Fenômenos como esses caracterizam, por vezes, a chamada Síndrome de Burnout, reveladora do esgotamento do cuidador”, conta.

São comuns também as situações em que as relações históricas entre cuidador e pessoa cuidada não eram muito fortes, por vezes até marcados por expressivos atritos.  Não raro, de acordo com Cláudia, é possível ajudar a que refaçam os vínculos emocionais, a resgatarem e valorizarem a memória afetiva. O cuidador acaba reforçando laços com a pessoa cuidada, que, por sua vez, sabe que depende dele, precisa dele, que confiar nele é fundamental.

Por fim, Cláudia faz questão de dizer que a comunidade incentiva os familiares, no limite do possível, a cuidar do paciente em casa, visando seu aconchego familiar e seu bem estar emocional.

“O sorriso de uma mãe vale mais que qualquer projeto acadêmico”

“Quando ouvi estas palavras do orientador de minha tese de doutorado, um ícone do Direito, em um janeiro frio de Coimbra, no ano de 2007, percebi, emocionado, que, mesmo em um mundo tão racional, o acadêmico, e em uma cultura tão mais insensível, a europeia, minha decisão de interromper a conclusão do trabalho, na reta final, para estar ao lado de minha mãe, encontrava guarida.

Este terá sido o principal dilema que enfrentei quando resolvi abrir mão de uma vida que estava próxima e que seria, com toda certeza, muito diferente da que vivo hoje: carro novo, morar em um loft cercado de montanhas, trajetória acadêmica, enfim… Decidi, sem sombra de dúvida, trocar isso por um curso de gerontologia e por me dedicar, prioritariamente, aos cuidados com aquela que, mesmo enfrentando fortes problemas de saúde, especialmente depressão, ao longo da vida, não pestanejou em cuidar de mim.

Tem valido a pena, posso assegurar. Superados o choque inicial, a negação, a depressão, aprendendo a conviver com as insuperáveis desavenças familiares, hoje sei, ao contrário do que muitos imaginam, que o diagnóstico “demência” não significa, necessariamente, o fim do mundo, a perda completa de perspectiva, nem para a pessoa que o recebe, nem para quem a ama.

Não se trata de dourar a pílula. A doença tem, sim, seu lado diabólico, como afirma Lia Luft (Veja, 16/04/2008). Mas, ao contrário do que pensa a escritora, há muito que fazer. Mais do que oferecer a segurança material possível e carinho, muito carinho, ao nosso ente amado debilitado, é preciso ressignificar a vida, para ele e para nós.

Ao invés de apenas lamentarmos, pelos cantos, nossa perda, progressiva e inevitável, temos que ir à luta, dia após dia. Buscar ajuda das técnicas inovadoras, recorrer às terapias ocupacionais, aos grupos de apoio. Construir, sempre, novos projetos, compatíveis com as possibilidades de cada momento e amparados pelos laços de afeto que o avanço da enfermidade não consegue apagar.

Assim, aproveitamos a chance, que a vida nos proporcionou, de despedirmos do ser amado com um longo adeus. Mesmo depois do último sorriso.”

Eduardo Campos

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