O que há por trás das dedicatórias?

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Imagem - redes sociais
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Sou encantada por dedicatórias. Algumas foram escritas por autores famosos; outras, assinadas por desconhecidos, estão eternizadas nos livros garimpados nos sebos. São preciosidades que repousam em nossas estantes como fragmentos de histórias pessoais. Revelam conexões invisíveis entre os leitores e os autores. São como janelas para o passado. Permitem que desconhecidos espiem a intimidade de quem tocou aquele livro antes de nós. Nessa fresta para o passado há histórias não contadas e mistérios insondáveis.

Confesso que sinto curiosidade pela vida daqueles desconhecidos. Adoraria saber quem eram aquelas pessoas e como eram suas vidas. Mas nem só o desconhecido me motiva e emociona. Nos livros que habitam as estantes espalhadas pelas nossas muitas moradas há duas dedicatórias que considero verdadeiras joias: uma, no livro “E o vento levou”, primeiro presente do Papai para Mamãe (imagem abaixo). A outra está replicada no livro de receitas que Mamãe escreveu para cada uma das seis filhas.

Um deles guarda uma história peculiar. Lulu namorava o Marcel há anos e nada de casar. Mamãe e Papai já estavam aflitos com aquela situação. Lulu, esperta como poucos, desafiou a nossa querida com a seguinte proposta: o casamento aconteceria sim, mas só depois que ela terminasse de escrever o livro de receitas. Mamãe, que demorava meses, até anos, para finalizar o presente, apressou-se. Queria que aquela união fosse abençoada o mais rápido possível. Estavam juntos há tempos demais. Deus, certamente, não estava gostando nada daquele chove não molha. Livro pronto, entrega feita, num é que o caldo quase entornou? Por um momento, Mamãe quase viu suas esperanças irem para o ralo. Triste e decepcionada, Lulu perguntou:

– Mamãe, o livro ficou lindo, mas cadê a minha dedicatória? Por que todas as meninas ganharam e só eu é que não? Assim não vale. Não vai ter casamento.

E a Mamãe, envergonhada, confessou:

– Oh, filha, estava com tanta pressa de ver você casada com o Marcel que só me lembrei da dedicatória com o livro quase pronto. Tá bem aí na última página. É só conferir.

Treta esclarecida, promessa cumprida. Pouco tempo depois Lulu e Marcel se casaram ao som de Lanterna dos Afogados. O resto dessa história você já sabe. Ah, e quanto ao livro de receitas da Lulu, este, ao contrário do meu, raramente é usado.

– Fica bem guardadinho. Tenho medo de estragar, confessa a Lulu. Ela sempre liga para uma das irmãs para pedir a receita quando quer preparar um dos pratos do nosso tempo da delicadeza.

– Tô querendo fazer aquele arroz doce da Mamãe. Você pode me dar a receita?

– Uai, Lulu, tá no seu caderno.

– Eu sei, mas é que não quero sujá-lo.

Mas voltando ao x da questão, como eu estava dizendo, por trás de cada dedicatória há sempre uma boa história.  Uma delas ficou famosa depois que foi publicada no livro “Nosso Amigo Chico Xavier – 50 Anos de Mediunidade”, do escritor Luciano Napoleão da Costa e Silva. O autor conta que os até então desconhecidos jornalistas Jean Manzon e David Nasser, ambos da revista “O Cruzeiro”, enxergaram numa reportagem sobre o médium Chico Xavier a oportunidade de se tornarem famosos, o que, de fato, aconteceu anos depois.

Quando se encontraram, Chico já havia se tornado um acontecimento nos meios literários por causa dos livros psicografados. Ao se apresentarem ao médium os dois jornalistas deram nomes falsos. Disseram que eram repórteres estrangeiros. “Pintaram e bordaram, fotografaram-no em posições ridículas… Enfim, estavam em ascensão na carreira e não queriam perder esta reportagem que teria, sem dúvida, grande repercussão”, conta o autor.

Terminada a entrevista, Chico presenteou os jornalistas com livros, ambos autografados. Mas os dois não deram importância. Sequer folhearam. A vida seguiu o seu curso e a reportagem que “enxovalhava a moral e a honra daquele missionário foi publicada”.

O tempo passou e certo dia Nasser decidiu folhear o livro. Só então leu a dedicatória de Chico:

“Ao caríssimo irmão David Nasser…”.

Surpreso e assustado, Nasser telefonou para Manzon. O fotógrafo também não tinha aberto o livro. Nasser, então, insistiu para que ele olhasse com atenção.

Logo em seguida, Jean Manzon, também surpreso, leu a dedicatória de seu exemplar:

“Ao caríssimo irmão Jean Manzon…”

Muitos anos se passaram. Um dia, David Nasser voltou a visitar Chico Xavier, só que dessa vez como observador. Para sua surpresa, Chico o recebeu com a mesma gentileza da primeira vez. Não comentou e muito menos criticou a traiçoeira reportagem.

E a todos aqueles que o perseguiam, jornalistas e escritores, Chico assim respondia:

“Diz-nos Emmanuel que devemos ter paciência e bondade para com todos, explicando sempre que eles não nos injuriam porque sejam maus, e sim por inexperiência ante os assuntos da Vida Espiritual.”

De volta às nossas estantes – sim, como já disse, temos mais de uma – por lá também convivem harmoniosamente dedicatórias de famosos, não famosos e dos queridos da nossa família. De Lia Luft a Sebastião Salgado, passando por outros tão bons quanto. Algumas transcendem o autor. Foram escritas com o coração, por pessoas que não só admiramos a obra, mas que amamos como pessoa. Salve, salve, Cris Paz, Leila Ferreira, Daniela Arbex e Carlos Diamantino Alkimin! Salve, salve, querido Marcel De Brot!

Indo. Até mais.

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