Livros são seres pulsantes, mutantes

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Imagem - Pixabay
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Recentemente, um comentário postado por um amigo querido chamou a minha atenção. Ele contava que havia finalizado a leitura de “O filho de mil homens”, do aclamado escritor português Valter Hugo Mãe. No post, esse amigo querido mais que demais, confessava que o estilo de Valter Hugo Mãe não o havia encantado, mas reconhecida ser muito bem escrito, um bom livro, e que para conhecê-lo melhor leria outras obras do mesmo autor.
Pois, então! É como o amigo diz, “gosto é gosto”. O estilo de Valter Hugo Mãe me apetece o espírito. Na obra “Contos de cães e maus lobos”, há um conto que amo especialmente: “O rapaz que habitava os livros”, como o próprio nome diz, fala de um homem, que pela intimidade e convivência, acreditava serem os livros, assim como os humanos, pulsantes, mutantes, que têm intenções e prestam atenção. E que quando “lidos profundamente, estão incrivelmente vivos. Escolhem leitores e entregam mais a uns do que a outros. Têm uma preferência. São inteligentes e reconhecem a inteligência”.
Penso cá, na minha humildade, que fui escolhida pelos livros. Compro compulsivamente. Também sou presenteada. (Nossa! A Gisele é tão fácil de presentear! Fica a dica.) Acumuladora confessa (ou seria adoradora?), não me desfaço de nenhum. Até reconheço que a cultura tem que circular etc e tal. Mas eu os deixo ali, à mostra, em duas estantes: uma maior em BH e, a outra, menor, em Conceição do Pará. De vez em quando me posto diante dos meus “altares” e fico ali escolhendo o que reler. Outras vezes é só contemplação mesmo. A intimidade me permite
No conto que citei acima, Valter Hugo Mãe fala desse olhar: “Os livros não esquecem nada. Eles são para sempre a mesma memória admirável. Esquecer livros é uma agressão à sua própria natureza. Embora, na verdade, eles nem se devam importar, porque podem esperar eternamente.
Alguém colocara uma pequena placa dizendo: não alimente os animais. Fiquei sem saber se queriam dizer que os livros eram bichos comendo as nossas ideias ou se seria eu um devorador de páginas, alimentado de palavras como as histórias. As histórias podem comer muitas palavras.
Pensei: os meus queridos livros. Era o que pensava e sentia: os meus queridos livros. Olhava-os como se estivessem vivos e pudessem sofrer. Como se pudessem também entristecer.”
O livro que me acompanhou por anos foi Robson Crusoé. Fantasiava sobre a possibilidade de me perder em uma ilha deserta, de plantar e colher trigo e uvas, fabricar pão e vinho, viver um dia depois do outro, até ser resgatada. Na adolescência e juventude li de tudo um pouco. Dos clássicos, como Machado de Assis e José de Alencar, a Drummond, Adélia Prado, e tantos outros tão queridos quanto. Hoje em dia caminho por todas as vertentes, mas “Vinhas da Ira”, que li precocemente na adolescência e reli não faz muito tempo, me marcou profundamente. Volta e meia me pego pensando na saga da família Joad. Uma história vivida durante a Grande Depressão, nos Estados Unidos, mas que se mostra atemporal e que poderia ser a história de muitos de nós.
Talvez seja a maturidade, mas trechos das obras que li ou de filmes que assisti vêm como flashs e se encaixam em minhas próprias histórias. Ainda outro dia me lembrei do casamento dos meus tios Celma e Guilherme. Eu tinha seis anos. Para a ocasião minha mãe encomendou à costureira um lindo vestido amarelo. Lembro que o tecido, bem fino, era bordado com pontinhos brancos. Lembro ainda da fartura de doces e salgados. Foram feitos em tanta quantidade que dias depois o excesso desceu rio abaixo. Ninguém me contou. Ouvi Vovó Cocota e Sílvia comentando na cozinha. Não criticavam. Havia até um certo orgulho em relatar o feito. Naquela época abundância e fartura eram qualidades e se havia sobra o desperdício não era visto como hoje, algo politicamente incorreto.
Mas o que tem a ver o casamento dos meus tios, o vestido amarelo, a escassez, a abundância e o desperdício? É que todas essas lembranças se misturaram a livro que virou filme. Tipo um caleidoscópio, sabe? Algo meio lisérgico. Não por acaso “E o vento levou” foi o primeiro presente que meu pai deu à minha mãe. Muitos anos depois assistiram juntos ao filme. Passou na TV. O livro está aqui na minha estante. Tem até dedicatória. Ah, e Robson Crusoé, também. Leiam ambos. Vocês vão amar. Assim como eu. Vai que vocês se reconhecem neles. Indo. Até a próxima semana.

2 COMMENTS

  1. Amiga, que crônica! Adorei! Eu também amo os livros, me encantam! Posso passar horas em uma livraria! O livro, que mais me marcou na adolescência foi ” A ilha Perdida”.

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