Todo mundo tem algo a dizer

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Imagem Pixabay
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” (…) Às vezes saio a caminhar pela cidade, à procura de amizades, vou seguindo a multidão.  Mas eu me retraio olhando em cada rosto. Cada um tem seu mistério, seu sofrer, sua ilusão (…)”

É bem assim mesmo. Não dá pra ficar indiferente. Todas as pessoas têm muito a dizer. Só falta mesmo quem as ouça. O que não é muito o meu caso. Eu não sei você, mas me alimento das histórias alheias. Não se trata de fofoca ou coisa parecida. As dos anônimos, então, são as minhas preferidas. Talvez por isso goste tanto de me deslocar de ônibus. A maioria é celeiro de boas histórias. Fico ali na moita, quietinha, só ouvindo.  Gosto dessa espécie de solidão. De me sentir espectadora do cotidiano.

Não estou sozinha. A querida Adélia Prado garante que esconder-se no porão de vez em quando é necessidade vital. Diz mais. Afirma que essa postura não é necessária apenas aos poetas. Todos nós precisamos de silêncio e de solidão. Sem isso corremos o risco de nos esvairmos em som, em fúria e na esterilidade. O lugar para que o leitor e a palavra se instalem, assegura a linda da Adélia, está no campo do silêncio e da audição.

Ainda sobre o que diz a Adélia, mas voltando ao que acontece dentro dos ônibus, me lembrei de uma história que escrevi há anos para a coluna “Eu, leitora”, ainda hoje publicada pela revista Marie Claire. A coluna é escrita a partir de histórias reais narradas pelas leitoras que, nesse caso, era uma secretária executiva da extinta Telemig.

A moça em questão tinha um marido super cuidadoso. Ele a levava ao serviço e ao fim do expediente a buscava na sede da empresa. A rotina foi interrompida quando o marido se viu obrigado a viajar a trabalho. Preocupado com a segurança da esposa, recomendou a ela que durante a sua ausência só se deslocasse pela cidade de táxi.

  • Que bobagem! O ponto final do ônibus que me deixa no trabalho é pertinho de casa. Não há perigo algum.

Assim ela pensou e assim foi feito. No primeiro dia, durante o trajeto ela percebeu que o motorista era muito bem quisto pelos passageiros. Era simpático e brincalhão. Por certo, gostava de música.

  • Até que tem bom gosto, admitiu ao se ver envolvida pela trilha sonora escolhida pelo motorista do coletivo.

No dia seguinte o ambiente dentro do ônibus se manteve alegre e festivo, fato que se repetiu no terceiro, no quarto …  No quinto dia, a moça envolvida por todo aquele clima, não percebeu que estava dando voltas pela cidade. O ponto da rua Tamoios já tinha ficado para trás. Jeito era dar mais uma volta.

No final do dia, quando desceu do coletivo, cumprimentou o motorista com um aceno de cabeça. Como resposta recebeu um belo sorriso. Ao chegar em casa selecionou algumas músicas que certamente seriam do agrado dele.

No dia seguinte, entregou a fita cassete (sim, a história tem mais de uma decada) ao motorista. Passaram então a conversar sobre música. Dai para assuntos mais pessoais não demorou muito.

No retorno do marido recusou-se a voltar a rotina. Além de dispensar a carona,  passou a se ausentar do trabalho para dar voltas pela cidade dentro do coletivo. Passou a chegar atrasada com frequência e vivia distraída. Em casa a situação não era diferente.

Desconfiado da brusca mudança de comportamento da esposa, o marido contratou um detetive. Sem muito esforço toda a história logo veio à tona.

Colocada contra a parede a esposa confirmou tudo. Admitiu que estava apaixonada pelo motorista. Sem pestanejar, pediu o divórcio. Não queria mais aquela vida de antes. O marido, inconsolável, tentou demovê-la daquela idéia absurda. Sem sucesso, acabou concordando com a separação, fazendo com que ela prometesse retomar o casamento quando a história de amor com o motorista chegasse ao fim. Ele a aceitaria de volta.

Se essa história teve final feliz? Por algum tempo, sim. Mas tudo desandou quando a “matriz” bateu à porta da “filial”:  ela era só mais uma das inúmeras passageiras conquistadas pela lábia e pelo charme do motorista galã. Chocada, pôs fim ao relacionamento, e foi viver a vida dela, agora solteira e desimpedida.

E mais não digo.

4 COMMENTS

  1. Danadinho esse motorista Don Juan. O Damo do Lotação. Mas sobre ouvir estória anônimas e prosear com desconhecidos, o brasileiro gosta tanto, que tem gente que vai pra fila de banco só pra conversar. “Penaque o mundo digitar esteja acabando com as filas e o convívio social proporcionado por elas!!!! Bom fds

  2. Você tem toda razão. Um dedo de prosa é tudibão. Por falar nisso, precisamos colocar o nosso papo em dia. Bom fim de semana pra vc também. Beijo.

    • Não nos cabe apontar o dedo.julgar quem quer que seja. Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é. Beijo pro cê.

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