Não existe pessoa perfeita

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Kintsugi: técnica japonesa usa pó de ouro para recuperar objetos quebrados. Imagem - redes sociais
Kintsugi: técnica japonesa usa pó de ouro para recuperar objetos quebrados. Imagem - redes sociais

Ainda outro dia, a Ana Júlia, uma das minhas sobrinhas, ouvindo a família barulhenta discutindo o indiscutível –  opiniões políticas divergentes. Pode isso, Arnaldo? – saiu -se com essa:

  • Meu Deus! Vocês vivem discutindo. Brigam por tudo.

Gilda tratou logo de esclarecer a pendenga.

  • Discutir e brigar são coisas diferentes, Juju. A gente não está brigando. Estamos nos posicionando sobre o que acreditamos ser o certo.

Aí veio a Jacqueline e completou:

  • Família grande é assim mesmo, Juju. Cada um fala o que pensa. Fala alto. Discute, esbraveja. Mas o bom é que ninguém fica magoado com ninguém.

Dito e feito. Daí a dois minutos o assunto já tinha mudado. O que usar em um casamento às 11 da manhã?

–  Você já sabe o que vai usar no casamento da Iara? Pensando em um vestido bem floral. Acho que combina com o horário e com o clima.

Aí, a outra, sempre sonhadora, aquela que vive com um pé ( ou seria a cabeça?) na Toscana e com o outro em Conceição do Pará, diz assim:

  • Adoraria usar chapéu. Acho tão lindo.

A mais pragmática muda o rumo da prosa e comenta:

  • Ihhh, tá quase na hora do jantar. O que vamos fazer pra hoje. Que tal uma galinhada? Tá frio.

A esse assunto se sobrepõem muuuitos outros. Das séries que estão assistindo, do amigo que felizmente se recuperou do Covid e agora já está em casa. O climão virou passado faz tempo.

Fico por ali, observando a cena. Conversa vai, conversa vem, me lembrei da técnica japonesa do Kintsugi. No Japão,  os objetos quebrados nunca são descartados. Sempre vale a pena consertá-los. Pra isso, usam pó de ouro. A peça, depois de remendada, torna-se única e especial. Passa a valer mais que antes.

Fico aqui matutando. Na vida da gente o Kintsugi cai como uma luva. Se algo quebrou, emende logo. Não deixe pra depois. Reconstrua. Mágoa guardada sedimenta. Cria raízes. Sabe aquele conselho do “nunca durma sem antes fazer as pazes”? Pois, é! Essa regra vale ouro. Funciona muito.

Se você parar pra pensar,  a nossa vida é um eterno remendar de cacos quebrados. Alguns bem pequenos. Os consertos trazem experiência e sabedoria.  Tornam os relacionamentos ainda mais valiosos. Tem um coach, o Arnaldo Lindoso, que trata sobre o tema:

“Assim como nos vasos ou tigelas, os defeitos são uma parte inseparável da história do objeto. Precisam ser aceitos e não escondidos. Nossos defeitos são o que nos convertem no que realmente somos. Não existem pessoas perfeitas. Todas, em algum momento da vida, já foram quebradas. Todos têm a sua própria história.”

A  Sílvia Amália de Araújo, uma jornalista e professora de escrita criativa de quem gosto muito, resume bem tudo isso. Ela diz assim:

  • Conheci pessoas que descartam velhas amizades na primeira decepção. Às vezes uma coisinha boba, qualquer mal entendido. Não tem conversa, rompem em definitivo. Imagino que esses se imaginam uma porcelana intacta. Mas, olha, é tão bonito quem sabe se reconstruir e aceita a reconstrução dos outros, né mesmo?”

Ah, sobre a galinhada e sobre o modelito do casamento? A galinhada ficou ótima. Mas, antes de ficar pronta, obviamente, rendeu um discreto bate-boca. Se eu prefiro a galinhada mais caldosa; a Gilda  gosta dela mais sequinha. Por fim, para a o bem de todos e felicidade geral da nação valeu o “nem tanto ao mar, nem tanto à terra”. Não sobrou nada, exceto os ossos da penosa.

E sobre o modelito do casamento? Ainda sem acordo. Afinal, o casório é só em novembro. Até lá ainda tem assunto pra mais de metro. Ainda vai render muito. Conto depois.

3 COMMENTS

  1. Adorei o “nunca durma sem antes fazer as pazes”. Zera o placar e o novo dia nasce realmente novo, sem passivos acumulados. Vamos por aí colando nossos cacos e fazendo novas peças de arte!

  2. Quanta sabedoria da Silvia Amália .É impossível aceitar que uma amizade valiosa,de anos se perca por qualquer bobagem.Eu também,,não sei se é porque falo muito mesmo ou porque sou adepta de” não dormir sem fazer as pazes(porque nem consigo dormir) não entendo.Mas usando a sabedoria, que só vem com o amadurecimento não permito mais me entristecer por isto.Sigo acreditando que cada um tem seu tempo de “reconstrução”.E sigo amando quem se afastou de longe.
    Que muito amor é sempre bom.
    Não vê nesta família,que amo,tudo fica bem por aí por causa do amor que sentem

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