“Não me incomodo muito com o Hospício, mas o que me aborrece é essa intromissão da polícia na minha vida. De mim para mim, tenho certeza de que não sou louco; mas devido ao álcool, misturado com toda espécie de apreensões que as dificuldades da minha vida material há seis anos me assoberbam, de quando em quando dou sinais de loucura: deliro.”
Lima Barreto escreve cruamente sobre sua passagem pelo Hospital Nacional dos Alienados, em 1919, no Rio de Janeiro. “Diário do Hospício”, reeditado pela Companhia das Letras, juntamente com o romance inacabado “O Cemitério dos Vivos”, é relato dos mais profundos sobre a loucura e sua percepção.
Escrito em primeira pessoa, o texto caminha como forma de diário, em que Barreto narra o cotidiano no hospício, ao mesmo tempo em que avalia sua condição e promove uma espécie de terapia pública.
A fortuna acrescida aos dois textos traz um prefácio fundamental de Alfredo Bosi, que não apenas contextualiza como também destrincha o relato e traça paralelos com obras semelhantes, um acervo iconográfico riquíssimo e crônicas que tratam do tema escritas por Machado de Assis, Olavo Bilac, Raul Pompeia.
Lima Barreto caiu naquele limbo de escritores comumente largados na vala comum de leituras obrigatórias escolares – seu “Triste Fim de Policarpo Quaresma” é um clássico das salas de aula. Pena que a educação brasileira não tem a sensibilidade de ensinar coisas certas no momento certo. Trocam os objetivos e transformam autores em prisões.
Trechos do livro de Lima Barreto
“Cheio de mistério e cercado de mistério, talvez as alucinações que tive as pessoas conspícuas e sem tara possam atribuí-las à herança, ao álcool, a outro qualquer fator ao alcance da mão. Prefiro ir mais longe…”
“Agora, que creio ser a última ou a penúltima, porque daqui não sairei vivo, se entrar outra vez, penetrei no pavilhão calmo, tranquilo, sem nenhum sintoma de loucura, embora toda a a noite tivessa andado pelos subúrbios sem dinheiro, a procurar uma delegacia, a fim de queixar-me ao delegado das coisas mais fantásticas dessa vida, vendo as coisas mais fantásticas que se possam imaginar.”
“No começo, eu gritava, gesticulava, insultava, descompunha; dessa forma, vi-as familiarmente, como a coisa mais natural deste mundo. Só a minha agitação, uma frase ou outra desconexa, um gesto sem explicação denunciavam que eu não estava na minha razão.”
“O que há em mim, meu Deus? Loucura? Quem sabe lá?”
“Penso assim, às vezes, mas, em outras, queria matar em mim todo o desejo, aniquilar aos poucos a minha vida e sumir-me no todo universal. Esta passagem várias vezes no Hospício e outros hospitais deu-me não sei que dolorosa angústia de viver que me parece ser sem remédio a minha dor.”
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