Com cerca de 7 mil habitantes e distante 350 quilômetros de Belo Horizonte, São Roque de Minas, à primeira vista, em nada se diferencia de outros tantos pequenos municípios mineiros. É pacata, acolhedora e em qualquer conversa com um morador é possível ouvir o peculiar sotaque do interior das gerais. Mas São Roque não é só isso. A cidadezinha proporciona ao visitante uma imersão em tradições da mineiridade já extintas em outras regiões do Estado.
Pra começo de prosa, São Roque é o berço do queijo canastra e a principal entrada para o Parque Nacional da Serra da Canastra, o que faz da cidade um paraíso para adeptos do ecoturismo, turismo de aventura, turismo rural e turismo gastronômico.
Praticantes de trekking, motoclismo e ciclismo se misturam a observadores de aves, famílias em busca da famosa culinária mineira ou turistas que apenas querem estar em contato com a natureza, tomar banho de cachoeira ou conhecer a nascente histórica do Rio São Francisco.
Já nas estradas de terra que levam à parte baixa da Serra da Canastra é possível avistar aves e animais ao longo do caminho, sem contar a visão imponente da serra e de algumas cachoeiras. Pequenas fazendas e sítios, ainda administrados de maneira tradicional, sem mecanização, chamam a atenção por sua rusticidade. Pequenos rebanhos leiteiros para a produção de queijo se integram à paisagem.
São animais mestiços, mas é possível avistar alguns exemplares da raça caracu, trazida para o Brasil pelos portugueses no século 16 e hoje rara no país. É um gado de maior resistência, que produz leite com alto teor de gordura, o que, segundo alguns criadores, seria um dos segredos na fabricação de um bom queijo canastra.
O número de pousadas rurais e locais de venda de queijos, doces e peças artesanais também chama a atenção. A diversidade de preços atende os mais diversos orçamentos. Há pousadas mais simples, com diária entre R$ 60 e R$ 90, e outras bem mais caras, de acordo com o luxo e a localização mais próxima do parque e de seus atrativos.
Do mesmo modo, os valores cobrados por uma peça de queijo canastra oscilam muito, indo de R$ 30 a R$ 80. O produtor Zé Mário, que já venceu alguns concursos nacionais de queijo, vende o canastra em sua fazenda, num exemplo seguido por muitos outros fabricantes da iguaria mineira. Há queijos para todos os gostos, dos mais tenros aos com maior tempo de maturação e sabor mais acentuado. Tudo depende do paladar do comprador.
São Roque de Minas tem dois distritos extremamente pitorescos: São José do Barreiro e São João Batista da Canastra. O primeiro fica em uma pequena elevação e atrai muitos praticantes de esportes de aventura, por estar próximo à reserva ambiental. Sua localização oferece uma vista privilegiada da serra.
Já São João Batista da Canastra está a menos de mil metros da entrada número 2 do parque e é famoso na região por sua festa junina. Uma fogueira gigantesca é erguida numa praça do povoado, com quermesses, comidas típicas e todos os demais ingredientes comuns em festejos juninos. A infraestrutura de hospedagem é variada, com pousadas, quartos e áreas de camping.
Flora e fauna exuberantes
Para chegar ao Parque Nacional da Serra da Canastra partindo de São Roque de Minas é necessário percorrer cerca de 8 quilômetros de estrada de terra, num trajeto difícil e arriscado, principalmente nos últimos três ou quatro quilômetros. A estrada é íngreme e, para complicar, a empreiteira contratada pelo governo federal para refazer a via e melhorar o acesso à reserva ambiental abandonou o serviço pela metade.
O resultado desse imbroglio é muito ruim. A estrada já tem vários pontos de erosão, quando chove é necessário um cuidado ainda maior para evitar acidentes. Apenas veículos com tração 4×4 conseguem circular pelo acesso e no interior do parque. Mesmo assim, muitos motoristas insistem em chegar à área verde em carros sem tração. Alguns conseguem, mas a maioria fica no meio do caminho.
Mas todo o esforço é recompensado quando se chega à portaria principal. O bom é ir bem cedo, por volta das 6h, para poder aproveitar o nascer do dia já no interior da reserva. O preço por visitante é de R$ 10 e a dica é contratar um guia credenciado pelo ICMbio, pois eles conhecem os principais pontos turísticos do parque, que tem mais de 71 mil hectares de área.
As cachoeiras são inúmeras. A mais famosa, Casca D’Anta, com 186 metros de queda, não permite que o turista nade no local, em razão da força da água, mas há outras, como cachoeira do Rolinho, do Cerradão, da Gurita, do Fundão, e Rasga Canga, entre tantas.
A facilidade com que a água brota no parque impressiona. Em qualquer local é possível encontrar uma mina, um pequeno córrego escondido em meio à vegetação ou uma grande área encharcada.
Tudo isso contribui para a vegetação exuberante do local, com uma grande diversidade de sempre-viva e outras plantas típicas do Cerrado. As espécies variam de acordo com o solo e a altitude. Há capões mais fechados e com árvores mais altas em alguns lugares, vegetação de campo rupestre, grandes extensões ocupadas por gramíneas e, infelizmente, muitas espécies invasoras, como o capim-estrela, vindo da África e hoje encontrado com facilidade na Canastra.
A flora diversificada resulta na variedade da fauna, o que torna o Parque Nacional da Serra da Canastra um santuário para mamíferos ameaçados de extinção. Há um bom número de lobos-guará na reserva, pois os fazendeiros estão sendo conscientizados a não matar o animal, perseguido por atacar galinheiros. O tamanduá-bandeira e o veado-campeiro também são avistados com facilidade.
A onça-parda já teve a presença registrada na reserva, mas é difícil encontrar uma, pois é um predador de hábitos noturnos. Preás, cutias e outros mamíferos pequenos são abundantes. Esse equilíbrio da fauna sofre principalmente com os incêndios, comuns na reserva e normalmente provocados pelo homem, e com a chegada de uma espécie invasora: o javali. Bandos desse animal exótico já foram vistos em pontos distintos da Canastra.
Quanto à observação de aves, a Serra da Canastra é apontada como um dos melhores lugares do mundo para o bird watching, não apenas pela diversidade de espécies, mas também pela grande presença de aves endêmicas, só registradas lá, e pelo tipo de vegetação, mais aberta, o que facilita a observação e a fotografia da avifauna. Observadores de várias partes do mundo visitam regularmente o parque.
Da gigantesca ema ao minúsculo e colorido beija-flor-chifre-de-ouro, passando pela águia-serrana, tapaculo-de-brasília e galito, entre outros, o número de espécies que vivem na área verde é superior a 400. Quem quiser conhecer a diversidade, pode visitar o site wikiaves.com.br, o maior portal de observação de aves do país, que lista pelo menos 285 espécies devidamente fotografadas e catalogadas, mas este número aumenta a cada dia.
Quem gosta de turismo histórico não vai se arrepender de visitar o parque. Além da nascente histórica do Rio São Francisco, a poucos quilômetros da entrada principal, há construções antigas, como o imponente curral de pedras, que merecem ser conhecidos. O curral de pedra é um antigo curral erguido na parte mais alta do parque, com pedras imensas, pelos fazendeiros que costumavam levar o gado para se alimentar no local na época da invernada. Com a criação do parque, essa prática foi extinta.
São Roque de Minas
A história de São Roque de Minas tem início no século 18, quando bandeirantes paulistas chegaram à região e expulsaram os índios cataguases, que habitavam o local. Depois, escravos fugitivos buscaram a proteção da Serra da Canastra para fundar quilombos, mas também foram derrotados. Estava aberto o caminho para a ocupação portuguesa.
Os primeiros colonizadores se dedicaram à criação de gado e à agricultura, as bases da economia à época e tradições que hoje dividem espaço com o turismo. O solo fértil e as boas pastagens atraíram cada vez mais gente para o povoado, que cresceu no entorno da Igreja de São Roque. Terras doadas por um fazendeiro incentivaram ainda mais a chegada de forasteiros.
No fim do século 19 e nos primeiros anos do século 20 a região também despertou o interesse de imigrantes italianos. O resultado da presença italiana reforçou a vocação de São Roque para a produção agropecuária, em especial a fabricação artesanal de queijos. Segundo alguns moradores locais, queijos são feitos no município há mais de 200 anos, numa tradição que passa de geração a geração.
Em 1858, São Roque foi elevado à categoria de distrito de Pium-I, situação que permaneceu até 1938, quando foi emancipado e se tornou município, com o nome de Guia Lopes. A denominação era uma homenagem ao guia que conduziu as tropas brasileiras na retirada de Laguna, na Guerra do Paraguai, nascido na zona rural de São Roque, em 1811. Em 1962 os moradores decidiram, em plebiscito, que a cidade deveria voltar a se chamar São Roque de Minas.
Local ideal para o turismo
A expansão do turismo em São Roque de Minas e a possibilidade de trabalhar em contato com a natureza têm atraído jovens de outras partes do Brasil para esse cantinho tão carregado de mineirice. A bióloga Mariana Vabo, de 27 anos, é um ótimo exemplo das oportunidades que a região proporciona para quem quer deixar pra trás o caos urbano e levar uma vida mais simples.
Nascida no Rio de Janeiro, Mariana foi para São Roque fazer uma pesquisa sobre as aves do Parque Nacional da Serra da Canastra, em 2014. Se apaixonou pelo lugar e também por Hélder, o funcionário que o ICMBio colocou à disposição para ajudá-la na pesquisa sobre aves. Mariana se mudou para o município mineiro, começou a dar aulas na escola do distrito de São João Batista da Canastra enquanto se preparava para trabalhar como guia.
Hoje, ela e o marido são guias credenciados pelo ICMBio. Conhecedora profunda da fauna da região, Mariana conduz observadores de aves que buscam as espécies da reserva, algumas já ameaçadas de extinção como pato-mergulhão, tico-tico-de-máscara-negra, caminheiro-grande e suiriri-da-chapada.
Sabe os hábitos e peculiaridades dos bichos e recebe bird watchers do Brasil, da Europa e da Austrália. A Serra da Canastra é apontada como um dos melhores locais do país para observação de aves e isso atrai visitantes de longe.
Mariana e Hélder também trabalham com turismo de aventura e turismo rural. A Abra-Canastra Expedições, empresa que o casal criou, conduz turistas em caminhadas no parque, banhos em cachoeiras ou visitas às fazendas que produzem queijo e doces caseiros. Ao lado do marido, dos três cães e da gata que tem em casa, a bióloga e guia não pensa em trocar São Roque de Minas por nada.
Assim como ela, o paulista Sidney Carmo optou pela vida em contato com a natureza da Canastra. Sua mulher é mineira, de São Roque, e ele também está na região há quatro anos. Credenciado e com curso de capacitação do ICMBio, Sidney tem um veículo 4×4 e um antigo ônibus militar. Conduz turistas pelo parque para incursões de turismo de aventura e atua em parceria com Mariana Vabo, conduzindo os clientes da bióloga pelas trilhas da serra.
Em razão do acesso difícil e acidentado, somente veículos com tração nas quatro rodas conseguem transitar pelo parque. O guia não se aperta com os perrengues que as estradas de terra escondem, mesmo em época de chuva forte. Diverte-se com a diversidade de clientes que atende e gosta de observar principalmente a flora do Cerrado que cresce em todos os cantos do parque.
Parque Nacional
O Parque Nacional Serra da Canastra foi criado em 1972. Sua área é de 200 mil hectares, mas, 46 anos depois de sua criação, pouco mais de 72 mil hectares foram regularizados. Há uma grande pressão de fazendeiros da região para que a reserva seja reduzida. Projetos em tramitação no Congresso propõem que a área da Parna Canastra seja reduzida para 121 mil hectares.
Essa sugestão enfrenta grande resistência dos ambientalistas, em razão da reserva ser fundamental para a preservação de inúmeras espécies de animais e para o Rio São Francisco. Mineradoras de diamante e outros minerais também têm interesse na diminuição do tamanho do parque.
Excelente texto e fotos meu amigo. Nada como ter o dom das palavras e o olhos de lince para registrar tudo isso maravilhosamente descrito por você. Você me transportou virtualmente para esse lindo local e, com certeza, um dia vou ter que conhecer pessoalmente. Parabéns e forte abraço.
Sensacional, Alvaro! Sua sensibilidade e clareza ao retratar nossa canastra é de emocionar, agradeço por te-lo recebido aqui.