Grafiteiro de BH prova que não há limites para sonhar

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Obra que Dagson Silva criou em uma de suas residências na França, que tem 2 metros de altura por 25 de cumprimento, exposta recentemente em Lyon. Todas as fotos pertencem ao arquivo pessoal de Dagson Silva
Obra que Dagson Silva criou em uma de suas residências na França, que tem 2 metros de altura por 25 de cumprimento, exposta recentemente em Lyon. Todas as fotos pertencem ao arquivo pessoal de Dagson Silva

Qual o tamanho do seu sonho? Os cerca de 12 milhões de brasileiros que vivem nas favelas por todos os cantos do país têm direito a sonhar? O artista plástico, grafiteiro, mobilizador social, educador (arte educador, como ele prefere) Dagson Silva, morador do Morro das Pedras, um aglomerado de sete vilas na região Oeste de Belo Horizonte, prova que o sonho pode, sim, ser do tamanho que você quiser.

Dagson Silva, 30 anos, sonhou um dia em estudar em uma das melhores escolas de arte da Europa, a Escola Superior de Arte e Design, em Marselha, na França. Como assim? Morador de favela, negro, de origem muito simples, ainda pouco conhecido no mundo das artes, poucos recursos financeiros, poderia ter tamanha ousadia?

A resposta é um sonoro sim. Tanto é verdade que o sonho está realizado. Desde setembro, o artista grafiteiro vive na cidade francesa, onde pretende ficar por dois anos para concluir o curso que ele iniciou em Belo Horizonte na Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Dito dessa forma, em apenas três parágrafos, fica parecendo que foi fácil. Não foi. Dagson fez a sua parte, por óbvio, mas o caminho foi tortuoso. Começou entrando em editais para participar de atividades artísticas na França, com o propósito de se aproximar do mundo das artes daquele país. Num evento de arte na histórica Tiradentes conheceu um coletivo de artistas franceses e depois de muitos contatos e conversas, veio um convite para uma residência em Lille.

Detalhe da obra criada por Dagson Silva na França, exibida recentemente em exposição na cidade de Lyon
Detalhe da obra criada por Dagson Silva na França, exibida recentemente em exposição na cidade de Lyon

Residência artística

A oportunidade foi abrindo porta. Entre 2015 e 2016, além da residência em Lille, pode participar de festivais de arte urbana em Paris, Lyon e Saint Etienne e realizou uma exposição em uma importante galeria de Lyon, quando pode mostrar sua habilidade como grafiteiro. “Foram experiências muito importantes na minha trajetória, especialmente por ter tido a oportunidade de colocar o Morro das Pedras, ainda que de uma forma simbólica, em um contexto global”, conta Dagson.

Por conta de seu contato mais estreito com artistas franceses, ficou sabendo do processo de seleção na Escola Superior de Arte e Design de Marselha. Depois de uma série de etapas, tendo passado por uma sabatina com três entrevistadores, além de apresentar os seus trabalhos, foi selecionado.

Para que o sonho de estudar artes na França se concretizasse, entretanto, faltava algo principal: recursos financeiros, que fossem suficientes não somente para bancar a passagem, mas também hospedagem e alimentação por dois anos no país europeu.

O Ciência sem Fronteiras, programa do governo federal que financiava cursos de graduação e pós-graduação de estudantes brasileiros no exterior não existia mais. E a possibilidade de um financiamento por parte de outra instituição foi logo descartada. Desistir? Nem pensar.

Como já contava com a possibilidade de que um dia ele iria estudar na França, foi fazendo pequenas economias para quando a oportunidade chegasse. Mas o dinheiro do cofrinho não era suficiente. Dagson decidiu, então, promover um financiamento coletivo para pedir ajuda a pessoas que acreditassem no seu trabalho e no seu potencial. E no início de setembro ele embarcou para a França, onde deve ficar pelos próximos dois anos.

“Menos contrastes”

Dagson conta que tinha a opção de ir para Lyon, outra cidade francesa, mas escolheu Marseille porque considera que essa cidade guarda mais semelhança com o Brasil. “A cidade é considerada perigosa, violenta, com vários bairros populares, com diversas culturas que participam do mesmo espaço coletivo”, explica. “Tem menos contratastes em relação a Belo Horizonte”, completa, ressaltando que essa similaridade o deixa mais confortável. É como se nessa cidade ele se sentisse mais em casa, onde consegue aplacar a saudade e a falta que já sente da cultura brasileira.

Na escola, o artista mineiro tem aulas teóricas dois dias na semana e os outros três de trabalho prático, que o aluno desenvolve de acordo com o seu projeto. Neste período inicial em Marselle, que é a segunda cidade mais populosa da França, com cerca de 850 mil habitantes, ele está aproveitando para conhecer os bairros da periferia, entender esses lugares e, a partir daí, desenvolver os seus trabalhos práticos na escola.

“Todo o meu trabalho foi o de construir coisas a partir do que vejo no lugar. Como agora estou em outro lugar, vou continuar com a proposta de sentir esse lugar, com meu ponto de vista sobre a sua realidade”, diz Dagson.

Morro das Pedras, a inspiração

Grafites feitos por Dagson Silva em lajes de casas do Morro das Pedras. Intenção do artista foi apresentar outro olhar sob a comunidade fora do estereótipo de lugar unicamente de violência

Foi neste lugar em que viveu, e que passou a observar com a sensibilidade dos artistas, que Dagson iniciou sua trajetória como grafiteiro. Ainda na adolescência, percorrendo a cidade de skate, passou a observar com mais atenção a arte das ruas de Belo Horizonte. Como ele já gostava de desenhar, ali começou a nascer também o seu desejo de fazer intervenções na comunidade, para valorizar os seus espaços e deixá-la mais colorida.

Com 17 anos, entrou para o Fica Vivo, um programa do governo do Estado com foco na prevenção e redução de homicídios na parcela da população mais afetada por esse tipo de crime, que é a juventude das periferias dos grandes centros urbanos. O programa oferece oficinas de arte, esporte, dança e música para os jovens das localidades onde atua.

Não demorou muito e Dagson Silva já era uma referência no projeto e passou a multiplicar seus conhecimentos com os colegas. E de aluno passou a professor do Fica Vivo, ministrando oficina de grafite no Morro das Pedras. “Quando faço grafite – diz Dagson em conversa com o BN no apartamento em que Mora em Marselle, via Skype – estou pensando em dialogar com as pessoas, em refletir, em propor melhorias, em melhorar o cotidiano”, deixando também evidente a sua atuação como ativista social.

Refletir, dialogar

Refletir, dialogar, melhorar o cotidiano foi exatamente o que fez Dagson quando começou mostrar uma parte do seu trabalho no Morro das Pedras com os seus grafites. Ele teve a ideia, em julho do ano passado, de pintar lajes e alguns barracos nas proximidades de sua casa no aglomerado. Não se tratava apenas de uma iniciativa ousada e criativa. O propósito era mostrar para os moradores de outros bairros da cidade que o Morro das Pedras não era apenas um local de violência.

“No bairro onde nasci, que é uma favela de Belo Horizonte, este contexto social tem sido muito massacrado pelo preconceito, pela representação que a mídia faz do espaço, a forma como ela aborda e vende esse espaço. Quando faço um grafite na laje, quando crio uma pintura, não é somente para chamar a atenção para aquela superfície; estou propondo um outro olhar sobre aquele lugar, sobre aquelas casas, sobre os valores da cultura local. A ideia é sair desse foco mostrado pela mídia de que favela é sinônimo de violência”, explica o artista.

 Outra intervenção feita pelo artista em parede de residência no Morro das Pedras, bairro que tem, segundo ele, uma cultura riquíssima
Outra intervenção feita pelo artista em parede de residência no Morro das Pedras, bairro que tem, segundo ele, uma cultura riquíssima

Com uma população estimada de 25 mil pessoas, o Morro das Pedras é um caldeirão de cultura. Tem, segundo Dagosn, candomblé, igreja evangélica e católica, matriz indígena, saberes populares e muitos moradores do interior que trazem e disseminam no lugar seus costumes e as culturas típicas das localidades de onde vieram.

“Está tudo misturado naquele espaço. Gosto de chamar a atenção, no meu trabalho, para outros aspectos mais ricos e interessantes da nossa comunidade. A violência é apenas um por cento do que acontece ali”, assegura.

No último dia 3 de novembro, em Lille, Dagson Silva participou de uma exposição na Maison de L´Union, em Lille, onde exibiu uma tela gigante que  havia produzido numa passagem anterior à França. Apesar do pouco tempo na França, já começou a cavar espaço em solo estrangeiro para mostrar o seu trabalho, que tem ainda como principal insumo e inspiração o Morro das Pedras.

“Tenho mandado propostas para outras residências e para participar de outros eventos culturais, estou pesquisando galerias, conversando com professores”, conta o artista. E a ideia é intensificar a produção para na sua próxima vinda a Belo Horizonte, marcada para junho do próximo ano, e trazer os trabalhos para exibir aqui. Certamente nessa nova fase a sua pintura, o seu grafite, já terá sofrido influência do seu olhar sobre a periferia de Marselle. Mas a sua principal inspiração continuará sendo o seu Morro das Pedras.

Trabalhos à venda

Dagson Silva ao lado de um dos trabalhos que ele executou em um prédio da cidade de Lyon.
Dagson Silva ao lado de um dos trabalhos que ele executou em um prédio da cidade de Lyon.

O artista grafiteiro Dagson Silva pegou a grande maioria das obras que produziu em Belo Horizonte, num total de 55 telas, de diversos tamanhos, e levou na bagagem para a França.  Sua intenção é mostrar e comercializar suas produções em território francês, uma forma também de ajudar a financiar sua permanência em Marselha.

Mas quem quiser conhecer melhor o trabalho do artista que já conseguiu realizar o sonho de estudar na França, mas que ainda tem um grande número de sonhos que espera ver concretizados, pode acessar seu Facebook – (@DagsonSilva.Oficial). Quem quiser mais detalhes pode entrar em contato por e-mail: dagson_bh@hotmail.com.

Se alguém se interessar por uma de suas obras, Dagson consegue despachar da França para qualquer parte do Brasil.

 

 

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