Dicas de comidinhas pra temperar o amor

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1990
Imagem de Tú Anh - Pixabay
Imagem de Tú Anh - Pixabay

“Quando o mundo pede distância é no amor que a gente se encontra.” E num é que é mesmo?

Ah, já sei! Tá aí pensando que só estou me referindo somente à tal cara metade, à outra metade da laranja? Algo assim, deixe-me ver, como Claudinho e Buchecha, Romeu e Julieta, queijo com goiabada…?

Até pode ser. Ter junto de si uma pessoa pra chamar de seu ou de sua é ótimo, né mesmo? Por falar nisso, sugiro que assistam a um vídeo encantador do casal Glória Meneses & Tarcísio Meira. Glória, referindo-se ao marido, o chama de “amor meu”. Tarcísio sorri e lhe retribui com um “amada querida”. Fofos!

Mas há outros tipos de amor. Alguns amam cultivar jardins, hortas e pomares. Outros se encontram nos personagens e nas histórias contadas em pilhas de livros. E o que dizer de cozinhar para os outros? Até o Mia Couto (amooo) falou sobre esse tipo de amor:

“Cozinhar é o mais privado e arriscado ato. No alimento se coloca ternura ou ódio. Na panela se verte tempero ou veneno. Cozinhar não é serviço. Cozinhar é um modo de amar os outros.”

Mas voltando ao que lhe interessa de fato – “Ah o amor… que nasce não sei onde, vem não sei como, e dói não sei porquê” – se hoje o encontro é com a sua cara metade, que tal preparar um prato bem quentinho, capaz de aquecer o corpo e a alma? Cozido de lentilhas me parece uma boa ideia.

Comece escolhendo um bom pedaço de carne com osso. Refogue a peça. Tempere com condimentos que vão perfumar toda a casa. Ninguém resiste ao cheirinho de alho com cebola, pimenta, alecrim, sálvia e tomilho. Não se esqueça do toque cítrico. Use laranja capeta, limão ou laranja. Vou contar um segredinho: eu acrescento um pauzinho de canela e um cravo da Índia. Toque dos deuses. Vai também um pouco de vinho. Reserve o restante pra brindar com a sua cara metade.

Deixe a carne cozinhar lentamente em fogo baixo até amaciar. Em outra panela, lume baixo, frite o bacon picadinho. É ai, nessa base untuosa, que entram as lentilhas. Elas devem fritar até estalarem. Nesse ponto, junte os legumes e ajuste de sal. Depois é só misturar o caldo de carne com a carne cozida com as lentilhas. Não se esqueça de tirar a canela e o cravo. Escolha uma linda sopeira pra servir. Enfeite a mesa com flores, sirva o vinho e parta para o abraço. Ihhh, não pode abraçar.

Mas, supondo que a data é especial e que você prefira não se perfumar com alho, cebola, ervas e especiarias. Então, que tal esquecer o cozido e preparar uma bebida mágica pra despertar todos os sentidos?

Você vai precisar de leite. Daqueles bem grossos. Nada de pasteurizado. Verta todo ele numa panela. Depois raspe a casca de uma laranja. Reserve. Li em algum lugar que laranja tem cheiro de sol. Lembra céu azul sem nuvens, um pomar perdido por aí. Voltando à poção mágica, quebre a rama de canela ao meio. Deixe que solte aquele aroma quente e adocicado. As raspas de laranja e a canela devem ser juntadas ao leite.

Rale um bom pedaço de chocolate meio amargo, espalhando pela casa um aroma que lembra cômodos impenetráveis, cartas de amor – olha o danadinha aí de novo – gavetas das velhas cômodas, tardes de outono, amêndoas, canela e açúcar. Acrescente baunilha. Essa delícia vai perfumar e trazer o calor das florestas de Madagascar para a sua cozinha.

A propósito, baunilha é uma orquídea. O nome vem do latim “vagina” e vainilla, espanhol. É o diminutivo de vaina (vagem), ou, a partir do latim, vagina, ou seja, pequena vagem. Ela tem esse nome devido a maneira como a vagem deve ser dividida ao meio e aberta para expor as sementes. Fim da aula. Voltando à cozinha.

Deixe o leite com o chocolate e as raspas de laranja ferverem em fogo baixo. Enquanto isso ligue a batedeira e bata o leite de creme fresco até que vire um creme espesso. Acrescente açúcar e bata mais um pouco. Não muito. Afinal você quer um chantilly e não uma manteiga.

Escolha duas lindas xícaras. Despeje um café bem forte até a metade delas. Depois complete com o chocolate quente. Finalize com o chantili. Ofereça ao “amor meu”.

  • Que cheiro incrível é esse? Ele vai perguntar.
  • De mágica, responda.

Dicas dadas, agora é com você.

Não se preocupe comigo. Sei que deve estar ai no maior bate-papo com seus botões:

  • E a Gisele? Vai dividir esse cozido e essa bebida mágica com quem?

Uai! Comigo mesma. Hoje convivo bem com a minha solitude. Atualmente vivo o que o pensador Paul Tillich chamou de a glória e felicidade de estar sozinho. Ah, mas não pense que solitude é sinônimo de solidão. Né, não. Solidão remete à dor, à angústia, à sensação de vazio. Não está associada apenas à falta de romances. Tem um conceito mais amplo, podendo significar estar ou não ao redor de amigos, pessoas. Já sentir a solitude é não ter a necessidade constante de ter uma pessoa por perto e saber viver em paz interna, apesar disso.

Ihhh, me alonguei demais. Já pra cozinha. Hora de alimentar o amor. Literalmente.

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