Josélia Aguiar fala sobre a biografia de Jorge Amado

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Josélia Aguiar é autora de biografia de Jorge Amado

Josélia Aguiar foi editora de revista de livros e colunista. Imprimiu uma linha que escapava da agenda de lançamentos e compras editoriais, o que tornava a leitura, tanto da revista (“Entrelivros”) como de seu espaço na “Folha”, obrigatória.

Jornalista e historiadora, foi curadora da Flip por dois anos. Também deixou sua marca, ao abrir o horizonte da feira e incluir diversidade. Agora, é diretora da biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo, um dos lugares mais importantes para as letras da cidade.

Depois de sete anos, ela lançou no fim do ano passado Jorge Amado, Uma Biografia (Todavia), livro esperado e que logo alcançou boas críticas, um trabalho de fôlego, com suas 640 páginas. Josélia Aguiar teve acesso a manuscritos inéditos de Amado e documentos raros. A pesquisa extensa foi aos Estados Unidos e à Europa.

Resultado da união entre jornalista e historiadora, o livro escapa do academicismo e narra a vida de um dos principais autores brasileiros com leveza. Para dar suporte, há 16 páginas de notas e outras 23 de notas e bibliografia. O caderno de imagens, com 33 páginas, traz um rico acervo, com imagens da vida de Amado, documentos, recortes, capas de seus livros e de personagens que acompanharam a trajetória do escritor, nascido em 1912 e morto em 2001.

Josélia Aguiar respondeu a algumas perguntas. Estão a seguir.

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Qual era sua relação com Jorge Amado antes de começar a biografia?
Li Jorge Amado no tempo de escola, cheguei a entrevistá-lo quando era repórter iniciante em Salvador e sempre soube que a obra dele merecia muito mais atenção do que alguns críticos, sobretudo a partir dos anos 1970, diziam. Tinha estudado a fotografia de Pierre Verger num mestrado da USP, então, de algum modo, antes da biografia, já tinha me aproximado dessa história cultural da Bahia do século 20.

E o que a levou a escrevê-la?
Recebi o convite de Alcino Leite Neto, que é um jornalista nascido em Minas e radicado em São Paulo. Provavelmente, o fato de ser baiana o fez pensar, entre outros motivos, que eu poderia fazer um bom trabalho. Alcino estava montando, em 2011, aquela que seria a editora Três Estrelas, pertencente ao Grupo Folha. Em 2011, eu escrevia uma coluna de livros na Folha. A ideia inicial era fazer um livro de menor porte, algo em torno de 250 páginas. Só que em pouco tempo percebi que iria precisar de muito mais tempo, dadas as características de vida e obra do meu biografado.

Nestes sete anos, o livro mudou de casa editorial. Passou da Três Estrelas para a Todavia. Em que essa mudança impactou no livro, na sua trajetória?
O livro mudou de casa editorial exatamente em maio de 2018, quando Alcino Leite Neto, meu editor, pediu demissão e se mudou para a revista Piauí. Era meu vínculo com a editora. Com a saída dele, e dado o fato de que o projeto tinha crescido muito por minha conta e risco, me senti livre para pedir o distrato, acertar a devolução do que tinha sido adiantado em termos financeiros e seguir para uma editora nova com a qual me identificava e que me acolheu muito bem, a Todavia. Em termos de conteúdo, absolutamente nada foi alterado devido à mudança de editora.

O título do livro vem acompanhado de “Uma Biografia”, o que abre espaço para entender que esta não é uma biografia definitiva. Depois de finalizar e já ter um tempo de distanciamento, o que faltou no seu livro? O que poderia render uma nova biografia de Jorge Amado?
Acho a palavra “definitiva” muito pretensiosa, e não acredito que se possa fazer algo definitivo sobre o que quer que seja. O “definitivo” é mais um efeito de marketing editorial. O meu livro é resultado de uma pesquisa muito sólida e um trabalho de texto que foi incansável. Não acho que faltou nada do que eu gostaria de ter dito. No entanto, tenho falado que a vida dele foi tão vasta que poderia ter feito dois volumes de mesmo tamanho (640 páginas) e não teria ficado chato. Acho que a extensão “uma biografia” pode ser lida como “um olhar”, porque no fundo é exatamente isso, uma biografia, um olhar sobre alguém. Vai ser sempre a vida de alguém a partir de um ponto de vista, nesse caso o meu.

Sua obra sofre com a onda extremista que o Brasil enfrenta hoje, levando em conta o perfil político e religioso do seu personagem? 
Nunca achei que a recepção seria tão favorável. Imaginava que, quando publicasse o livro, seriam levantados todos os debates que o acompanhavam. Creio que, dada a polarização, e mais, dado o momento político extremamente trágico do país, houve uma trégua para Jorge Amado. De certo modo, esse livro é uma pequeníssima contribuição na batalha contra a barbárie.

Como a academia enxerga a bibliografia de Jorge Amado hoje? E como seus livros se encaixam no Brasil deste século?
O tempo todo tentei mostrar no livro como foi e tem sido a recepção de sua obra, embora não seja um livro de crítica literária. Jorge Amado sempre foi estudado na universidade, e nos últimos anos, depois da reedição, ele passa por uma revalorização significativa. Seus livros continuam extremamente atuais, até porque ele sempre tocou nos temas candentes de seu tempo, que continuam sendo os mesmos de hoje.

Como a obra de Jorge Amado é recebida hoje no exterior?
Sempre muito bem recebida, sem a polarização que aconteceu aqui no Brasil.  Também passou a ser reeditada, desde que sua obra mudou de editora há cerca de 15 anos, quando deixou a Record e foi para a Companhia das Letras.

Jorge Amado e sua filha Paloma

Como foi sua relação com a família de Jorge Amado ao longo da produção do livro? 
Na época em que assinei o contrato com a Três Estrelas, era preciso ter a autorização por escrito. No entanto, não me foi feita qualquer exigência, nunca houve tema ou aspecto proibido. Antes de ir para a gráfica, Paloma Amado, filha de Jorge, leu o livro, uma decisão tomada por mim em conjunto com a editora. Queríamos evitar que pudesse ter algum erro factual. Víamos também como uma delicadeza com a família. É uma prática utilizada em grandes mercados editoriais bastante livres, como Estados Unidos e países da Europa, por exemplo.  Paloma fez um texto sobre essa primeira leitura, e a minha editora o republicou no site.

Em 2013, logo após lançar sua biografia de Marighella, Mário Magalhães disse que só voltaria a escrever se as leis mudassem — na época, aconteceu o protesto de artistas liderados por Paula Lavigne. E você? Como avalia esses sete anos? Sentiu-se segura em escrever a biografia? Pensa em escrever nova biografia?
Acho que vivemos tempos de liberdade no que se refere a fazer relatos biográficos. Mário está fazendo neste momento a biografia de Carlos Lacerda. Também já comecei um novo projeto, mas por enquanto prefiro não adiantar muito mais a respeito.

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Como complemento, recomendo o podcast Ilustríssima Conversa, gravado com Josélia Aguiar. Ela detalha o processo de pesquisa e faz uma boa avaliação da recepção da obra de Jorge Amado no exterior.

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