Zeitoun: livro que define uma época nos Estados Unidos

0
5364
Zeitoun, livro de Dave Eggers

Impossível não apelar para o clichê e dizer que “Zeitoun” (Companhia das Letras) é uma obra com sabores kafkianos. Mais do que isso, é kafkiana à enésima potência. Poucos livros conseguem ser um retrato de uma época tão fiel como este escrito por Dave Eggers. Raremante, os Estados Unidos de George W. Bush foram tão bem fotografados como aqui – Michael Moore não chega aos pés deste trabalho.

“Zeitoun”, lançado em 2009, é um relato jornalístico com técnicas de ficção. Sua época: os acontecimentos imediatamente anteriores e posteriores ao Katrina, em Nova Orleans.

Eggers conta a história de Zeitoun, um sírio-americano dono de uma empresa de serviços de construção, familiar, comandada por ele e a mulher, Kathy. São conhecidos numa certa região de Nova Orleans, é homem de confiança de muitas famílias.

Quando o Katrina se aproxima, Zeitoun tira sua família da cidade e permanece na casa, para cuidar dela e de suas propriedades. Não esperava que fosse algo grave. A história provou o contrário, e fez da opção de Zeitoun um inferno.

Logo depois da inundação, Zeitoun pegou um bote e começou a navegar pelas ruas, procurando pessoas presas em casa. Ele alimenta cachorros abandonados, leva idosos para pontos de segurança, ajuda amigos. Fala diariamente com sua mulher, que insiste que ele saia de lá. Ele fica.

Um dia, um grupo de policiais entra na casa onde Zeitoun e mais três amigos estão e os prende. Sem dizer o motivo. Eles são levados para uma prisão que lembra Guantánamo, sem direito a advogado ou a fazer um telefonema. Depois, são transferidos para uma prisão de segurança máxima, quando descobre que ele estava preso por ser suspeito de pertencer à Al-Qaeda.

Enquanto isso, sua mulher sofre com o desaparecimento do marido. Sem notícias, não sabe como encontrá-lo. A situação parece sem saída, pois não existe comunicação. No final, após muito sofrimento, Zeitoun é solto.

Narrativa precisa

Eggers narra com precisão, sem exageros e sem tomar lados. Mostra um retrato da paranoia que tomou conta dos EUA pós 11 de setembro. Mostra as arbitrariedades cometidas pelo governo Bush, em nome da segurança nacional. Sem razão nenhuma, prendeu um homem que estava ajudando no caos instalado em Nova Orleans. Sem direito a nada.

O livro não discute se as medidas de proteção foram certas ou não, se Nova Orleans agiu certo depois ou não. Concentra-se na história de Zeitoun e como ela se insere naquele momento. Os fatos são os coadjuvantes que suportam o drama de Zeitoin.

Paralelamente, Eggers vai ao passado do casal, às origens de cada família, sua formação, a opção religiosa, o que cria simpatia com as vítimas. Alterna focos, ora em Zeitoun, ora em Kathy, e dá agilidade à leitura.

Se “O Processo”, de Kafka, tornou a obra do escritor em adjetivo, este “Zeitoun” deveria se tornar retrato de uma época.

O livro pode ser encontrado na Estante Virtual.

*****

Gostou da indicação? Então, aproveite e leia mais sugestões da coluna Bússola.

LEAVE A REPLY

Please enter your comment!
Please enter your name here