A coluna de hoje é uma homenagem a um personagem que fez muito bem para o futebol e que ajudou a promover em sua passagem pelo esporte um verdadeiro conto de fadas. Estou falando de Vichai Srivaddhanaprabha, o multimilionário tailandês que morreu no último final de semana pouco tempo depois de ser um dos protagonistas da incrível conquista da Premier League pelo Leicester.
Sua contribuição excedeu “apenas” o troféu no campeonato nacional mais badalado do mundo. Vichai comprou o clube em 2010, quando o Leicester estava bem distante de suas tradições e tinha acabado de sair da terceira divisão. Para situar quem pouco conhece sobre o clube, o Leicester tem no seu currículo três Copas da Liga Inglesa (1964, 1997 e 2000), além de uma Supercopa Inglesa (2001) e sete títulos da segunda divisão, mesma quantidade do tradicional Manchester City. Isso, claro, além da Premier League em 2016 e da terceira divisão em 2009.
Além disso, foi cinco vezes vice-campeão da Copa da Inglaterra, a tradicional FA Cup, o torneio de futebol mais antigo do planeta. Mitos do esporte defenderam o clube, como o incrível goleiro Gordon Banks, campeão do mundo em 1966 e autor da notória defesa em cabeçada de Pelé na Copa de 1970. Outro goleiro histórico, Peter Shilton, também foi jogador do Leicester, assim como Gary Lineker, artilheiro da Copa de 1986.
Fundado em 1884 e, em 2010, com quase 50 temporadas na elite inglesa, o Leicester era uma equipe tradicional, porém média e em uma péssima fase. Vichai, proprietário da King Power, empresa do ramo de freeshop, mudou essa realidade, profissionalizando o clube, tornando-o mais rentável, investindo uma quantia razoável para os padrões ingleses e dando os naming rights do estádio para sua própria empresa, que também tem a logo estampada nas camisas.
Até então, nada de novo. O fato de um milionário comprar um clube e fazer investimentos iniciais não era novidade. E sempre deixava no ar a dúvida: vai ser apenas uma megalomania de um ricaço? Que efeitos isso pode trazer para o clube no futuro? Ele pode sair de repente e deixar todos na mão? Com o tempo, foi possível perceber que o caminho seria outro.
Legião de fãs
A série de ações de Vichai, algumas delas até alvo de investigações pela grande movimentação de dinheiro, resultaram em multas, mas ajudaram no retorno do Leicester à primeira divisão. O que fez a diferença foi a presença constante dele no clube, à frente das decisões. Não se transformou de forma alguma em uma figura decorativa.
De quebra, promoveu agrados como ônibus gratuitos para os torcedores acompanharem o time nos jogos fora de casa, deu presentes, forneceu cerveja e, como era de se esperar, tirou dinheiro do bolso. O suficiente para ganhar a simpatia de toda uma cidade, que recebeu fundos para serem investidos no hospital e na universidade, e dos jogadores, que ganharam prêmios gordos como carros.
O projeto do tailandês incluía também a modernização das estruturas do clube, das categorias de base, do próprio estádio King Power e do centro de treinamento, mas o que conquistou de vez foi o trato afável e próximo com os atletas, questões que demoraram a ser noticiadas tamanha a discrição com o que tudo foi acontecendo.
A história que parece ter saído de um livro, o de levar um time pequeno ao título do campeonato nacional mais disputado do mundo, com potências mundiais como concorrentes, passou muito por várias questões que citei acima e muitas delas aconteceram por causa de Vichai, que sai de cena após um trágico acidente de helicóptero, meio de transporte que, tradicionalmente ele usava sempre para deixar o estádio.
O acidente aconteceu no último domingo de outubro, vitimou outras quatro pessoas e deixou uma marca triste para o imaginário da cidade, que foi a queda fatal no próprio estacionamento do King Power Stadium, que tantas alegrias presenciou nos últimos anos.
Além da esperada comoção no mundo do futebol, chamou a atenção, antes mesmo do pronunciamento oficial do clube sobre a morte de seu dono, das milhares de pessoas que foram ao estádio, transformado imediatamente em uma espécie de memorial, que recebeu flores, faixas, camisas e todos os tipos de objetos para homenagear Vichai. Os jogadores, nitidamente transtornados, também eram uma expressão do tanto que a relação era boa.
Provavelmente, seu filho, Aiyawatt, deve assumir o comando, já que era um de seus braços direitos. Se vai continuar com a história e manter vivo o legado, ainda não dá para saber. O que já dá para afirmar é que Vichai Srivaddhanaprabha deixou seu nome na história do futebol, de forma inesperada – e que pode servir de exemplo para vários outros que despejam no esporte suas fortunas, mas nem de perto se envolvem.
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