Transformar um hobby em algo de impacto positivo para outras pessoas talvez seja o sonho de qualquer voluntário. Para a médica paulista Adriana Mallet, essa vontade de realizar ação social se materializou no projeto SAS Brasil: enquanto viaja de carro, integrando ralis e expedições, conhece paisagens deslumbrantes país afora e leva assistência a locais onde o poder público, em geral, é ausente.
São cidadezinhas escondidas no mapa, preferencialmente, com menos de 20 mil habitantes e IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) baixíssimo, desprovidas de atendimento médico e opções de lazer. A história começou em 2013, com quatro voluntários — e hoje conta com 40. Os números dão conta da complexidade da operação: três contêineres com consultórios médicos e odontológicos montados, mais de 44 mil quilômetros rodados e 27.421 pessoas impactadas.
Ação social oficial do Rally dos Sertões, um dos maiores do mundo, o SAS já cruzou muitos caminhos em Minas, como os municípios de Bonito de Minas, Olhos d’Água e Conceição do Mato Dentro, atendidos em 2014. Na avaliação de Adriana, porém, uma das expedições mais impressionantes foi inesperada, na região Mariana, depois do rompimento da barragem de Bento Rodrigues. A expedição estava pronta para partir de São Paulo, com outro destino, quando na véspera houve a tragédia em 2015.
A rota foi alterada em função da necessidade urgente da população. Assim, em ritmo de emergência, os voluntários se organizaram para arrecadar fundos em uma campanha de financiamento coletivo e pegaram a estrada com caminhões e veículos 4×4 rumo a Minas Gerais. Levaram leite, produtos de higiene, medicamentos e filtros d’água para atender à população atingida pela lama. Adriana, coordenadora-geral do SAS, conta sobre o cenário desolador encontrado pelos voluntários.
“Passamos dois dias e meio buscando pessoas bem nos limites da lama. Como estávamos em veículos 4×4, conseguimos acessar locais onde as pessoas estavam ilhadas. Retiramos pessoas e animais. O volume de destruição da lama foi uma das coisas mais chocantes que já vi na vida. O pior era saber que ninguém mais do que o homem era culpado por aquilo”, afirma a médica.
Atendimentos amplos
O desvio da rota para Mariana foi a única operação de emergência do SAS, até hoje. Em geral, há mais tempo para o planejamento das ações, inclusive com triagem médica prévia, como acontece no programa da saúde da mulher, feito em parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein (por meio do programa filantrópico AmigoH), em São Paulo, e Hospital do Câncer de Barretos, no interior paulista.
Batizado de Anariá, em homenagem a uma amiga da equipe, o projeto leva atendimento ginecológico remoto a mulheres de 30 a 65 anos, com foco na prevenção e tratamento do câncer de colo de útero. Os exames são feitos na fase de triagem e, durante a expedição, os procedimentos são realizados nos contêineres com os consultórios, inclusive as cirurgias curativas de lesões causadoras da doença. Além dos atendimentos médicos, há palestras educativas, em que a equipe orienta as mulheres sobre higiene íntima e prevenção.
“A maioria das pessoas atendidas nas expedições nunca havia participado de algo assim. Conhecemos crianças que não tinham sequer escova de dentes, mulheres que nunca tinham usado uma camisinha”, comenta Adriana. No ano passado, o SAS ofereceu um novo serviço, também com foco nas mulheres: atendimento e orientação para as vítimas de violência doméstica.
Além dessas ações, há atendimentos oftalmológicos, com prescrição e entrega gratuita de óculos de grau, palestras sobre saúde bucal e consultas odontológicas. O SAS também oferece à população acesso a atividades esportivas, de entretenimento e educativas, como sessões de cinema ao ar livre. O impacto de tantos programas é medido pelos voluntários quando eles retornam às cidades. É o caso, por exemplo de crianças que ganharam os óculos e, na volta da expedição, tinham melhorado o desempenho escolar.
Ação social em clima de alegria
Engana-se, porém, quem acha que a passagem do SAS pelas localidades seja feita em um clima tenso de hospital: há médicos, enfermeiros e voluntários responsáveis pelo lazer vestidos de super-heróis, palhaços e um tom descontraído no ar, sempre com muita alegria, encantando as crianças e levando informação aos adultos de uma maneira mais divertida.
“Para mim, o SAS é um resgate do amor pela medicina para todos os profissionais que se dedicam. É uma oportunidade de usar o meu melhor pelo país que amo e para pessoas que sei que, de outra forma, não teriam acesso a esses cuidados. Me sinto feliz por servir”, afirma.
Além de parcerias e patrocínio de grandes empresas, o SAS conta com programas de financiamento coletivo, pela internet. Dessa maneira, qualquer pessoa pode contribuir com o projeto, com a quantia que quiser. Quer ajudar? As instruções estão no site.