
Você costuma desperdiçar e jogar comida fora? Se sim, terá que pagar por ela. Pelo menos é assim que funciona na Coreia do Sul. O país implementou um sistema inovador de reciclagem em que moradores pagam pelo peso dos resíduos alimentares que descartam. A iniciativa tornou-se um dos casos mais bem-sucedidos do mundo no combate ao desperdício de comida, com 97,5% dos restos sendo reciclados. Em 1996, esse percentual era de apenas 2,6%
Para se ter uma ideia, no Brasil apenas cerca de 4% dos resíduos sólidos são reciclados. Já nos Estados Unidos, a maior economia do mundo, cerca de 40% dos alimentos produzidos no país são desperdiçados.
Na Coreia do Sul, o sistema de reciclagem começou a ser estruturado em 1995, mas só alcançou sua forma atual em 2013, com a implantação do modelo de cobrança por peso do que é descartado. Em Seul, por exemplo, moradores usam máquinas com sensores que identificam o usuário por radiofrequência (RFID), pesam os restos de comida e cobram pelo volume descartado.
Os valores são incluídos na fatura mensal, ao lado de outros serviços públicos, como água, luz etc. Yuna Ku, jornalista sul-coreana, conta que paga cerca de R$ 30 por mês para reciclar os restos de seus alimentos. “Você vê o peso na hora. Isso te faz pensar duas vezes antes de desperdiçar”, afirma.
Como o sistema funciona na prática
O modelo de reciclagem alimentar na Coreia do Sul funciona com três opções principais: sacolas autorizadas, adesivos por peso e máquinas com RFID (Radio Frequency Identification, ou Identificação por Radiofrequência, em português). As sacolas oficiais, vendidas em supermercados, são usadas por quem mora em casas e custam entre R$ 1 e R$ 9, dependendo do tamanho. Já os adesivos são mais comuns em restaurantes e indicam o peso do conteúdo descartado.
Nos condomínios, as máquinas com sensores são a alternativa mais moderna. Elas identificam o morador, pesam o lixo e registram a cobrança automaticamente. Há ainda caminhões de coleta com tecnologia semelhante em algumas regiões.
O sistema é acompanhado de rigorosa fiscalização. Quem descarta lixo no lugar errado pode ser multado em até R$ 400. No caso de empresas, o valor pode passar de R$ 40 mil. Câmeras de segurança e sensores ajudam a monitorar o cumprimento das regras. E há uma cultura de responsabilidade coletiva: quando alguém comete uma infração, avisos são exibidos nos prédios, alertando que o comportamento será penalizado se persistir.
O que é feito com os resíduos e quais os desafios
O lixo reciclado é transformado em ração para animais (49%), adubo (25%) e biogás (14%), de acordo com dados de 2022. No entanto, o processo não está livre de obstáculos. O uso de ração feita com restos de comida precisa seguir protocolos rigorosos, já que pode transmitir doenças, como ocorreu em 2019, durante um surto de peste suína africana. Desde então, a Coreia do Sul proibiu esse tipo de ração para suínos.
Outro desafio é o alto teor de sal presente na culinária coreana, que pode afetar a saúde dos animais e a qualidade do adubo. Além disso, há espaço para aprimorar a tecnologia de produção de biogás, tornando-a mais eficiente e limpa.
Mesmo com esses entraves, o modelo sul-coreano se destaca por integrar incentivos financeiros, campanhas educativas e leis rígidas. O engajamento da população também é um fator-chave para o sucesso do programa. Segundo especialistas da ONU, embora o modelo sul-coreano seja eficiente, ele precisa ser adaptado à realidade de cada país. Em locais com insegurança alimentar, por exemplo, o ideal seria focar na redução de perdas e no reaproveitamento de alimentos antes de adotar cobranças.
Um exemplo que inspira o mundo
O modelo sul-coreano de reciclagem de alimentos prova que políticas bem estruturadas e com base em dados podem mudar comportamentos. Ao cobrar pelo desperdício, o país incentiva uma relação mais consciente com a comida e o meio ambiente. É uma abordagem que une responsabilidade individual, tecnologia e ação governamental — e que pode servir de inspiração para o resto do mundo.