Esse recado vai para quem costuma romantizar o envelhecimento. Sinto muito! Mas o ocaso da vida não tem nada (ou quase nada) de bom. O corpo se fragiliza, a pele cai, as dores aumentam, a vida pesa sobre os ombros. E para quem teme a morte, a ideia da finitude assombra mais que um fantasma.
O “quase nada” fica por conta do relacionamento com os nossos velhinhos. Papai foi um deles. A nossa convivência era deliciosa. Quanto mais envelhecia mais doce e amoroso ele ficava. Papai rejeitava o rótulo de “idoso” como quem recusa um paletó que não lhe serve. Apesar da idade avançada, mantinha-se jovem, elegante e imponente.
– Idoso, eu? — dizia, rindo. – A terceira idade é a idade dos outros, não a minha.
Papai se encaixava no grupo dos “velhos” que carregam afeto na alcunha. “Velho Osvaldo” tinha sabor de abraço, de conselho bem dado, de olhar que entende sem que seja preciso dizer.
Nosso querido nunca coube nos limites impostos pela palavra “idoso”, uma espécie de etiqueta que a mim cheira à distância, a quem tem mais medo que respeito. Seu nome nunca se encaixaria num dicionário frio, no qual a “Terceira Idade” soasse como um campo isolado, separado do calor da família. Ele pertencia ao riso da cozinha, ao tilintar do café servido, dos brindes e dos talheres, aqueles que no tempo da delicadeza faziam festa nos ouvidos e no céu da boca.
Enquanto pode, resistiu à idade que insistia em dobrá-lo. E seguiu com sua alma de menino e sua sabedoria aperfeiçoada na lida. E assim, sem cerimônia, em perfeita harmonia com a vida, o “Velho” Osvaldo caminhou por longos 94 anos.
E como “quem sai aos seus não degenera”, uma de nossas irmãs resiste firmemente. Não gosta da idade que tem. Os aniversários são verdadeiras torturas e a pergunta – quantos anos você tem? – soa como uma provocação. A resistência é tamanha que outra irmã, um ano mais nova, condoída com tanto “sofrimento”, propôs um pacto:
– Já que você odeia tanto envelhecer, vamos trocar de idade.
E assim foi feito. Nada mais se falou sobre isso e a vida seguiu seu curso. Cada uma com a sua nova idade: uma buscando o frescor da juventude e, a outra, aceitando o peso da idade. Ainda hoje, passados tantos anos, a mais nova ainda se confunde na hora de preencher os documentos. Sempre se coloca um ano mais velha. Problema na certa.
Esse pacto – ou seria um protesto silencioso contra o inevitável? – diz mais do que pode parecer. Se para alguns foi apenas de uma brincadeira entre duas irmãs, a troca pode esconder várias camadas. Se para uma pode ser interpretado como um reflexo dos medos e expectativas que cercam o tempo e suas transformações, para a irmã mais jovem encarar esses desafios aponta para um sinal de coragem, de enfrentamento das incertezas do envelhecimento.
Mas não julgue. Sinto lhe dizer que a minha irmã que aceitou a troca não está sozinha. Esse receio reflete uma sociedade que valoriza excessivamente a juventude. O “etarismo” não é só uma palavra que virou “modinha”. É uma “trend” que traduz um problema real. Não acredita, não? Se você já quarentou e está à procura de uma vaga de emprego, certeza que terá dificuldade. Hoje há uma espécie de apagamento das histórias de quem envelhece.
Ah, e não espere que alguém lhe diga essa verdade com todas as letras. Isso acontece de forma subliminar, porque nós, os quarentões, cinquentões e sessentões, estamos sob a proteção do Estatuto da Pessoa Idosa e da Constituição Federal. Ambos garantem proteção contra discriminação no mercado de trabalho e proíbem a discriminação por idade na admissão de trabalhadores. E nenhum empregador vai querer transgredir sob pena de ser punido.
Mas, pactos e legalidades à parte, como diria Caetano Veloso, “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”. É bem assim. Vida que segue.
Ótima crônica, como sempre. Você é demais.
Como sempre brilhou mais uma vez com esse delicioso texto.