Colecionadores de palavras

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Imagem - Pixabay
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Sou a louca das palavras. Adoro saboreá-las. Gosto especialmente daquelas que trazem sonoridade. Quer coisa mais linda que subliminar? E ensimesmada, então? Amo. Além dessas duas, as minhas preferidas, há outras que gosto especialmente.
Pensava que eu era das poucas a cultuar esse gosto peculiar. Isso até me encantar pelo “Dicionário de Palavras Perdidas”, livro escrito por Pip Williams e publicado pela Editora Gutenberg. Veja só que pretensão!
“Dicionário de Palavras Perdidas” é baseado na história real do Dicionário Oxford da Língua Inglesa. A obra narra a relação de Esme, uma criança muito curiosa, órfã de mãe e muito querida pelo seu pai, um lexicógrafo que trabalha no Scriptorium. O Scriptorium é o local onde ele e sua equipe estão empenhados em escrever o primeiro Dicionário Oxford da língua Inglesa, e fica no jardim dos fundos da casa do Dr. Murray, o editor do dicionário.
Como não tem com quem ficar, Esme passa parte do dia embaixo da mesa de classificação do seu pai, tentando ser invisível e não interferir no trabalho dos lexicógrafos. Ela é uma criança muito observadora e acaba encontrando uma caixa com palavras descartadas, que a deixam obcecada. Ela questiona seu pai sobre a razão de algumas palavras não serem consideradas importantes o suficiente para entrar no dicionário.
Conforme cresce, Esme se torna uma jovem determinada e continua colecionando palavras, inclusive no mercado onde vai fazer compras com sua amiga Lizzie. Ela cria uma amizade improvável com Mabel, uma sem-teto que vende artesanatos no mercado e que lhe fornece palavras do dia a dia, não consideradas dignas de entrar no dicionário pelos acadêmicos do Scriptorium.
Com o passar do tempo, Esme assume mais responsabilidades no Scriptorium e começa a frequentar espaços reservados aos homens, o que a faz questionar as desigualdades de gênero existentes na época. Ela acaba conhecendo uma atriz envolvida no movimento sufragista e presencia os impactos da primeira guerra mundial, o que amplia ainda mais sua visão de mundo e suas questões sobre a inclusão de todas as vozes na construção do dicionário e da sociedade como um todo.
E mais eu não digo, porque não sou dessas de ficar dando spoyler (ops!). Vai que você, assim como eu, se identificou com a Esme e ficou com vontade de ler o livro, né?
No início dessa nossa prosa citei duas palavras que me encantam. Só não contei que a Geração Z costuma me olhar com cara de interrogação quando cito alguma delas.
– Subli o que? E esse tal de ensimesmado? Quem é esse sujeito?
Aliás e a propósito, sujeito, como forma de se referir a alguém, caiu em desuso. Melhor trocar por cara.
Além de sujeito muitas outras palavras caíram no esquecimento. Exemplos não faltam. Tabefe, sacripanta, basbaque, chumbrega, sirigaita, alcunha, janota são só alguns. Fico aqui matutando. Será que as palavras envelhecem assim como nós?

A resposta é sim. À medida que a sociedade evolui, algumas palavras são esquecidas. Apesar de tentar me esquivar, volta e meia solto uma palavra que peguei emprestado do inglês. Aqui mesmo nessa nossa prosa falei em spoiler. Posso citar outros termos que usamos no nosso dia a dia, como botox, bandaid, backup, mouse, chip, homepage, bacon, brunch, delivery, diet, drink …

Ah, quase ia me esquecendo de contar que me encanto com as palavras criadas, os chamados neologismos. Guimarães Rosa era um mestre nesse ofício. Mia Couto, outro autor que reverencio, já confessou que se espelha na obra roseana. Quem mais diria “trestriste” para referir-se a uma pessoa profundamente triste? E “descriado” quando o personagem está desnutrido e por aí vai. Para descobrir essa vastidão linguística basta caminhar pela obra de Rosa.

Quanto ao Mia, quem mais escreveria “sonolentidão” para se referir à sonolência de forma poética? E “varandear, palavra usada por Mia para quem caminha pela varanda de forma contemplativa? Gosto também do verbo “esvoar”, usado por ele quando se trata de voos leves e etéreos. Esse “esvoar” nos conduz à “sonhadeira”, um adjetivo para qualificar pessoas, que como euzinha, vivem imersas em sonhos e devaneios.

No mais, as palavras são como os homens. “Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou.” (João Guimarães Rosa, em “Grande Sertão: Veredas.)

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