O visitante misterioso

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Casa do vovô Nenen e vovó Cocota, em bordado da
Casa do vovô Nenen e vovó Cocota, em bordado da "Tia Aparecida". Arquivo Pessoal
  • Ô de casa!
  • Vamo entrando, respondeu meu avô.
    Como era hora do almoço, Vovô Nenen e meus tios estavam todos à mesa. O visitante, depois de apear, tirar o chapéu e limpar as botas, juntou- se a eles. Sem cerimônia, passaram a prosear.

Não se espante. Naquele tempo era assim mesmo. A porta estava sempre aberta. Não havia o que temer. Todos eram bem-vindos. Por aquelas bandas a violência era uma raridade. Se havia alguma “morte matada”, furto ou roubo, a notícia vinha de longe. Chegava pelas ondas da Rádio Nacional.

  • E a Dona Cocota? Como está?
  • Ô, Cocota! Vem aqui cumprimentar a visita.
    Vovó, que naquele momento cuidava do almoço, correu ate a copa, mas logo retornou à cozinha. Foi se juntar à Sílvia. Era preciso colocar mais água no feijão. Não podia passar vergonha. Melhor era prevenir que remediar. Se não sobrar, é porque faltou, diziam.
    Enquanto isso, na mesa a conversa seguia animada.
  • E o senhor? Melhorou?
  • Ah, Seu Nenê, depois da cirurgia tô um pouco melhor. Uma coisinha aqui, outra ali. O senhor sabe como é. Um dia depois do outro. Mas Deus dá jeito. A gente não pode é entregar os pontos.
    Da saúde a prosa pulou para a beleza do baio, naquela altura todo feliz depois de ter sido alimentado pelo Mário, que como a Sílvia, era um dos fieis escudeiros dos meus avós. Depois falaram sobre o tempo, sobre a lua boa para a colheita dos tomates, sobre as águas que andavam atrasadas, sobre o milho e o feijão plantados há pouco.
    O visitante elogiou a casa, pediu informações sobre o mineiro que tinha chegado à Presidência. Tinha ouvido falar que ele estava construindo outra capital no meio do cerrado, lá pros lados de Goiás.
  • Melhor perguntar pra quem entende do riscado. Todo mundo por essas bandas comenta que o senhor é um conhecedor das coisas da política, elogiou o visitante

O certo é que a conversa rendeu. O almoço ficou pronto. Vovô serviu uma guia pra esquentar o peito e abrir o apetite. Humm! Nada melhor que uma comida mineira. Arroz, feijão, angu, couve, frango caipira e carne de panela. Só coisa boa. Depois veio a sobremesa. Doce de leite, de figo e de laranja. Tudo servido com o queijo fresco saído direto da desnateira da casa. O doce de leite era feito pela Sílvia; as compotas pela Comadre Isolina. E, pra arrematar, ainda aquele cafezinho que era de lei.

Barriga cheia, pé na areia. E lá se foi o visitante todo satisfeito com a acolhida.
Assim que o cavalo desapareceu na curva um dos meus tios perguntou:

  • Papai, afinal de contas, quem era essa visita?
  • Não tenho a menor ideia. Não me lembro nem da cara, nem do nome.
  • Não tô entendendo. O senhor até perguntou se ele estava melhor de saúde. Como é que sabia que ele tinha sido operado?
  • Uai! Eu não sabia. Só desconfiei que o caboclo andava doente. Tava muito pálido. Foi por isso que perguntei.

Volta e meia alguém da família comenta sobre essa manhã perdida lá no tempo da delicadeza. O que aconteceu traduz fielmente quem eram meus avós e como era a dinâmica da casa deles. Nenhum dos netos havia nascido ainda. Como esse, há outros causos, todos verdadeiros. Sobrevivem às gerações. Tornaram-se uma herança amorosa que fazemos questão de não deixar cair no esquecimento.
Indo. Até mais ver.

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