Qual é a chance de alguém encontrar uma aliança perdida dentro de um rio? Você certamente vai dizer que é praticamente zero. Pois, então! Lamento lhe informar, mas você está equivocado. Em se tratando da minha família tudo pode acontecer.
Nos tempos da delicadeza os mergulhos e as pescarias no Rio Pará eram frequentes. Afinal, o rio sempre esteve ali, a poucos passos da casa dos nossos avós. No fundo do quintal. Em finais de semana as brincadeiras dentro d´água eram frequentes.
A canoa estava sempre pronta para novas aventuras. Mas como não há almoço grátis, para usá-la era preciso retirar a água da chuva que se acumulava no fundo. Meus tios e irmãos eram os responsáveis pela tarefa. Para isso, usavam uma lata ou uma canequinha. Ambas estavam sempre à mão.
Em um dia qualquer de verão, coube ao Tio Guilherme a tarefa de esgotar a canoa. Com receio de perder a aliança de casamento decidiu retirá-la e por “segurança” a colocou em cima da tal canequinha.
E foi no piloto automático que se deu a tragédia praticamente anunciada. Junto com água acumulada no fundo da canoa foi-se também a aliança para dentro do rio. Desespero total. Tia Celma não ia perdoá-lo pelo feito. Quem em sã consciência faria aquilo?
Obviamente, no modo desesperado total ele se atirou ao rio. Mergulha daqui, mergulha daqui, e, obviamente, nada da aliança. Decidiu então marcar o local com um bambu. Quem sabe por um milagre a aliança reapareceria? E na mais remota das hipóteses, quem sabe até mesmo no estômago de um peixe pescado ali mesmo? Lembra da história de Jonas e a baleia. Pois, então! Tio Guilherme deve ter pensado nisso.
A perda de uma aliança jogada inadvertidamente no rio, que depois poderia ser encontrada no ventre de um peixe, seria uma metáfora perfeita para a citação bíblica. Assim como Jonas foi engolido pela baleia, a aliança foi engolida pelo peixe. Metaforicamente, com esse fato, ele reconheceria a importância do objeto e o valor do relacionamento que a aliança representa. Ihh! Olha eu abstraindo aqui. Nada de novo, né? Sempre faço isso.
Voltando ao cerne da questão, Tio Guilherme, sorumbático e cabisbaixo (amo palavras arcaicas), ao retornar para casa, foi interpelado pela Lulu que, como sempre, brincava no quintal da nossa infância.
- Uai, Tio Guilherme! Por que é que o senhor está tão triste assim?
Sem esconder a preocupação e o receio do que viria pela frente – Tia Celma dificilmente acreditaria na versão dele – comentou com a sobrinha o ocorrido.
Lulu, muito inventiva e resolutiva, logo propôs uma solução. Voltaram ao rio com uma peneira e passaram a minerar a areia do fundo do rio, exatamente no local demarcado pelo bambu. Entre uma peneirada e outro, Lulu encontrou um pedaço pequeno de arame perdido naquele ponto.
Eureka! O pedaço de arame deu à Lulu a certeza de que havia encontrado a solução perfeita. Sem mais demora, ela sugeriu ao Tio Guilherme que o arame fosse enrolado como uma aliança e que na sequência o objeto seria atirado ao rio exatamente como havia acontecido antes.
Tio Guilherme, mesmo sem botar muita fé, concordou. Afinal, nenhuma ideia melhor lhe ocorria naquele momento. Não havia plano B.
A encenação foi perfeita. Aliança de arame na água, Lulu mergulhou atrás. Pulou exatamente no mesmo lugar em que a falsa aliança havia caído. E não é que a verdadeira estava bem ali?
- Achei! Achei! Gritava ela toda entusiasmada.
Obviamente Tio Guilherme não acreditou. Só podia ser mais uma das brincadeiras da Lulu.
Não era. A sobrinha havia mesmo achado o objeto perdido para a felicidade do meu tio, que naquela altura já dava o casamento como perdido.
Aliança de volta ao dedo de onde nunca deveria ter saído, tio e sobrinha voltaram para casa ansiosos por contar o feito para todos.
Incredulidade total. Quem acreditaria naquilo? Ninguém, é claro. O resultado dessa treta toda é que a história virou motivo de gozação. Tornou-se mais uma lenda da família. Até hoje há quem duvide e quando o caso vem à tona junto dele tem a pergunta:
- Lulu, quanto é mesmo que o Guilherme lhe pagou para você inventar essa história toda?
E dá-lhe risadas e mais “causos” dessa nossa família grande e barulhenta.
Ah, antes de ir e por falar em pescaria, antes que você reclame que eu deixei de dividir receitas, vou deixar aqui a do peixe frito da Zélia, campeão de “uis”, “huns” e de “credos, que delícia” na casa da Vovó da nossa infância e adolescência.
Peixe da Zélia
Peixe pescado, o próximo passo é escamá-lo, deixá-lo bem limpinho e cortá-lo em postas. Na sequência, tempere com sal e laranja capeta, também conhecida como limão capeta, limão cravo e mais um monte de outras denominações.
Depois empane as postas numa mistura de farinha de trigo e fubá (meio a meio). Peixe temperado é hora do bonito ir pra panela. E se a fritura é por imersão, não economize no óleo, que nesse momento deve estar bem quente. Deixe-o peixe ali, fritando bem quietinho. Nada de ficar mexendo.
Quando as postas estiverem douradas, retire e coloque sobre um papel toalha, que é pra escorrer o excesso de óleo. Isso feito, todos à mesa. Hora de degustar essa iguaria que o Rio Pará tão gentilmente doava a quem dele precisava.
Hoje, infelizmente, menos. A abundância ficou perdida lá nos tempos da delicadeza. De “quando o meu mundo era mais mundo e todo mundo admitia (…”). Epa! Rolou até trilha sonora. Faltando só a cachacinha e a cerveja gelada, porque essas são de lei. A “marvada” para servir como guia e a loura gelada para despertar o seu lado gogó de ouro em momentos como esse. E dá-lhe modão.
Indo. Fique bem.
Amo as causos de nossa familia. E Gisele tem o dom de descrever essas lembranças com tatanta delicadeza que nos emociona e nos voltar à nossa infância que foi linda.
Obrigada, Gildinha!
Ameiiii!!!
Obrigada! Beijo.
Eu também amo os causos da família Bicalho!!!
Obrigada! Feliz em compartilhá-los com vc.
amei relembrar essa história tão querida e engraçada da nossa família. e essa receita deu água na boca (huuuuuuuuuum)