Doce une o passado ao presente

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Arroz doce cremoso. Foto - Redes Sociais
Arroz doce cremoso. Foto - Redes Sociais

“Numa velha receita de doce e de bolo há uma vida, uma constância, uma capacidade de vencer o tempo”. Essa constatação não é minha. Mas poderia ser. Penso do mesmo jeito. Na verdade, a frase é do sociólogo Gilberto Freyre, autor da obra “Casa Grande & Senzala.

Nela, o sociólogo traduz o que costumamos chamar de “comida afetiva”. Ele está falando sobre o alimento que nos conecta ao passado e eterniza pelo sabor e pelo perfume as pessoas queridas que se foram.

Como um assunto puxa o outro eu me lembrei que recentemente, ao assistir a final de um concurso gastronômico na TV, fez-se a mágica. Minha mãe e minha avó Cocota estavam representadas ali pelo pão de ló e pela brevidade. Infelizmente, nenhuma das duas receitas ganhou o primeiro lugar. A vencedora foi um escaldado. Comemorei também. O prato feito com fubá, bacon, cebola, ovo e cheiro verde também tem uma pegada da cozinha aqui de casa. É parente próximo do nosso engrossado, que leva tudo isso e ainda tem frango e couve pra ficar do jeitinho que a gente gosta.

E se a nossa prosa de hoje é sobre comida afetiva, hummm, que vontade de me acabar no arroz doce sapecado da Vovó Cocota. Descobri no site Gastrolité (www.gastrolite.com) que a receita do arroz doce citado na obra de Eça de Queiroz é a mesma da minha infância. Sem tirar nem por. É igual a que Mamãe fazia e que aprendeu com a Vovó Cocota, que por sua vez aprendeu com sua mãe e ela com parentes portugueses. Viu como a afirmação de Gilberto Freyre faz todo sentido?

Pois, então!  Aqui em casa cozinhamos o arroz (bem pouquinho, viu?) na água. Depois que seca acrescentamos o leite, o açúcar, sal pra levantar o sabor, canela, cravo e casquinha de limão. Aí é só deixar ferve e encorpar. O amido do arroz vai fazer a parte que lhe cabe e trazer a cremosidade necessária. Antes de desligar o fogo a gente acrescenta uma gema de ovo diluída no leite e ferve mais um pouquinho com cuidado pra não talhar. Tirou do fogo, despejou na marinex, é aí que vem o pulo do gato. A gente cobre toda essa delícia cremosa com queijo ralado e leva pro forno. Dourou, tá pronto. Daí o “sapecado” do nome do doce.

Ah, se você quiser, acrescente pedaços de frutas cristalizadas ou em calda. Vovó, de vez em quando espalhava pedacinhos de laranja da terra, laranja capeta ou de limão. E de onde é que saiam todas essas delícias? Da geladeira dela, uai! Sempre tinha. Todos obras primas criadas pela Comadre Isolina, madrinha da Mamãe.

Voltando à relação do Eça de Queiroz com a comida, o Gastrolité informa que na obra desse escritor português há mais de 600 citações sobre jantares, mais de 200 sobre almoços, dezenas sobre ceias e mais de 60 somente sobre o vinho do Porto. 

Aliás,  referências à comida são recorrentes nas obras de outros escritores tão famosos quanto Eça. Machado de Assis é um deles. A cocada dele é famosa. É citada, inclusive, em Dom Casmurro:

“(…)  Comprei-as, mas tive de as comer sozinho; Capitu recusou (…)”.

Ah, mas sobre Machado de Assis e a cocada dele conto em outro dia. Voltando a Gilberto Freyre, uma curiosidade: o sociólogo, para comprovar as teses que criou sobre a formação do povo brasileiro, não se amparava em dados econômicos. Freyre recorria à culinária.

“Matavam-se bois, porcos, perus. Faziam-se bolos, doces e pudins de todas as qualidades. A galinha, aliás, figura em várias cerimônias religiosas e tisanas afrodisíacas dos africanos no Brasil. O açúcar – que fez acompanhar sempre do negro – adoçou tantos aspectos da vida brasileira que não se pode separar dele a civilização nacional.”

E se essa conversa toda  lhe deixou com água na boca, aqui está a receita do arroz doce do Eça de Queiroz, que também é o da minha mãe, que aprendeu com a minha avó e por aí vai. Faça e deleite-se.

ARROZ-DOCE DE EÇA DE QUEIROZ
Receita Tradicional Portuguesa
Fonte: Livro Fama à Mesa – Fabiano Dalla Bona

INGREDIENTES:
250 ml de água
1 litro de leite🥛
150 g de açúcar
150 g de arroz
25 g de manteiga
5 gemas de ovo
canela para polvilhar

MODO DE PREPARO:
Levar o arroz ao fogo e deixar ferver até a água desaparecer. Misturar o leite e deixar cozinhar o arroz, quando estiver cozido, misturar o açúcar, as gemas e a manteiga.
Retirar do fogo sem deixar ferver. Distribuir por pratos, taças ou um prato grande. Polvilhar com canela.♥️

5 COMMENTS

  1. Ahhhhh como traz saudades estes falares em doces de infância! Frutas cristalizadas, arroz doce, doce de leite, doce de figo, de laranja da terra, de limão tudo em calda para se comer com queijo fresquinho…. É muita doçura e muita vontade de se ver novamente envolvida neste mundo de vó e de mãe!! Mas que bom saber que nossas memórias são tão reais em nossas vidas, né Gisele? Sinal que fomos felizes, por demais, em tempos idos!!
    Beijosss

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