O quintal e a casa dos meus avós são temas recorrentes por aqui. Volta e meia falo neles. As muitas gerações que viveram ali deixaram rastros, fragmentos de memória. O quintal está repleto deles. Cacos de memória foram sepultados por camadas de terra. Como em um sítio arqueológico. Geração após geração.
Na infância, vez ou outra, a gente garimpava um pedaço colorido dessa memória ancestral. E dá-lhe imaginação. Nas casinhas, os fragmentos ganhavam utilidade. Uma hora eram pratos; em outras, travessas e adereços.
E entre uma brincadeira e outra, a gente passava horas fantasiando sobre o achado. O que era? De quem teria sido? Como quebrou? Sem respostas, a gente se refugiava na fantasia. Assim, íamos reconstruindo histórias e fatos. Cada um criava o seu próprio enredo. Vez ou outra as histórias se entrelaçavam. Não era raro.
Recentemente Lulu falou sobre esse estranho fascínio que os cacos exerciam sobre ela. Passava horas naquele quintal sombreado pelas mangueiras. Arremedo de arqueóloga, a menina tirava os cacos da inércia, retirava a terra, a sujeira e os trazia de volta à vida.
Anos mais tarde, já adulta, lendo e relendo Carlos Drummond de Andrade, Lulu finalmente entendeu que exercício era aquele que se repetia a cada garimpo no quintal.
“Os cacos da vida, colados, formam uma estranha xícara.
Sem uso,
ela nos espia do aparador.”
São as lições das coisas. Elas ficam. Ainda bem, né?
Que lindo!
Que lindo, Gi! Suas viagens me fascinam!
Pura poesia. Realidade e fantasia num cenário de Drummond. Calmante leitura.
Perfeito!!! os melhores textos!!!
Belo texto,Gisele!
Me remeteu para boas lembranças que guardo vividas no quintal da Vovó Cocota e Vovô Nenem.
“Lição das coisas” e isto,um enorme tesouro arqueológico que guardamos na memória,na alma,no coração…
Obrigada por mais esta boa lembrança😘🥰❤