Memória guardada em um livro

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Clark Gable e Vivien Leigh em cena do clássico
Clark Gable e Vivien Leigh em cena do clássico "E o vento levou". Imagem - redes sociais

Olivia de Havilland morreu em Paris, aos 104 anos. A atriz Olívia era a última sobrevivente do elenco do filme “E o vento levou”, uma das maiores bilheterias da historia do cinema, detentor de oito Oscars.

O filme conta a história de Scarlett O’Hara (Vivien Leigh), uma jovem mimada que consegue tudo o que quer. No entanto, algo falta em sua vida o amor de Ashley Wilkes (Leslie Howard), um nobre sulista que deve se casar com a sua prima Melanie (Olivia de Havilland) . Tudo muda quando a Guerra Civil americana explode e Scarlett precisa lutar para sobreviver e manter a fazenda da família. E aí que entra em cena o aventureiro Rhett Buttler (Clarrk Gable).

Se o filme é elogiado e citado como um clássico, “E o vento levou” também suscita polêmicas. Muitos acreditam que a história encoraja o discurso sulista norte-americano a favor da escravidão e da Guerra Civil (ou Guerra da Secessão), mesmo levando-se em conta que a jornada pessoal e afetiva da jovem Scarlett esteja colocada em primeiro plano. Segundo os críticos, o filme apresenta Mammy (Hattie McDaniel) e outros empregados dos O’Hara como “conformados” em serem meros escravos dedicados a servir.

Antes de virar filme, de quase quatro horas, “E o vento levou” já era um sucesso. O livro foi escrito por Margaret Mitchell. Foram dez anos de escrita e reescrita, até que em 1936 foi publicado e, na sequência, agraciado com os Prêmios Pulitizer e Nacional Book Award

Perdas, polêmicas e premiações a parte, o que eu quero mesmo contar é que “E o vento levou” faz parte da narrativa da história da minha família.

O ano era 1953. Mamãe, que andava encantada com a historia de Scarlett, comentou com o então namorado, no caso, meu Pai, que adoraria ler o livro. O então “Jovem” Osvaldo Resende, que nunca foi bobo nem nada, quis surpreender e agradar a musa. E sem perder tempo, durante uma viagem de negócios a Belo Horizonte, tentou comprar um exemplar em uma livraria da Avenida Afonso Pena. Decepção. Não havia nenhum livro em estoque. E o pior: estava esgotado. O livreiro, condoído pelo drama do Papai, prometeu que moveria mundos e fundos até encontrar um, mesmo que fosse usado. Ah! O amor ….

Promessa feita, promessa cumprida. Tempos depois, de volta à capital, Papai retornou à livraria. E lá estava o livro novinho em folha, embrulhado em um lindo papel de presente.

Se foi por causa desse mimo ou se foi o gesto, ainda não sei. O certo é que o namoro engatou. Os dois se casaram em uma linda cerimônia celebrada pelo Padre Antônio. O evento foi às seis horas da manhã do dia 7 de janeiro de 1953. O casamento durou mais de 60 anos até que Mamãe se foi.

O livro sobreviveu a ela. Hoje é uma das preciosidades da nossa família. E de tanto ser manuseado pelas românticas aqui dessa “Casa das Sete Mulheres” ficou em frangalhos. Mas – ufff!! – foi restaurado e, mais uma vez, presenteado à Mamãe. Obra da Lulu que adora o trecho em que Scarlett customiza a cortina da mansão e faz dela um lindo vestido.

Ah, já sei. Vocês estão aí querendo saber o porque de um casamento as seis horas da manhã, né mesmo? Quem, em pleno juízo, se casa a essa hora? Mas pra tudo há uma explicação. É que o Padre Antônio tinha uma viagem agendada e não tolerava atrasos. E como ele só podia às seis da manhã, fazer o que, né?

Após o casamento, por causa do horário, nada de banquete, espumantes ou cervejas. Aos convidados foi servido um maravilhoso café da manhã, com bolos, biscoitos, doces e salgadinhos. Mas essa já é uma outra história. Eu conto depois. E com todas as receitas. Prometo.

Exemplar restaurado do livro "E o vento levou", que está na família Bicalho desde 1953. Foto - arquivo pessoal
Exemplar restaurado do livro “E o vento levou”, que está na família Bicalho desde 1953. Foto – arquivo pessoal

8 COMMENTS

  1. Vc deveria chamar-se Scarlett. Mas não se casar as 6 da matina, para que a gente pudesse experimentar seus quitudes acompanhados de um bom espumante! Há objetos que adquirem um valor afetivo-simbólico inestimável como é o caso do E O VENTOU LEVOU…. da família Bicalho!!!

  2. Cada dia me surpreende com tanta poesia ao relatar o cotiano dessa família. Parabéns Gisele. Suas memórias nós brinda com um amor tão grande pela família. Hoje é raro as pessoas se inspirarem na vida dos antepassados.

  3. É gratificante ver que um objeto mágico, como o livro, pertence à história de pessoas que se amam. Como o livro percorre o tempo, vai e volta, ganha um significado tão potencial. Obrigada, Gisele, com texto leve e amoroso, por eternizar a sua história, que é a de quem ama os livros. Texto que precisa ser lido por muitos!

  4. Ei Gi! Emocionante e especial essa história!
    Sabia q tenho o livro? Li ainda adolescente e me gabava por ter lido um livro de 832 páginas! O filme, assisti 1000 vezes…rs coisa de “donzela’ apaixonada esperando meu Rett.
    Amei relembrar…

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