Nos trilhos da história, com receita de sequilhos

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Martin Winkler - Pixabay
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Em muitos momentos a trajetória dos Bicalho, ramo materno da minha família, se confunde com a história do transporte ferroviário em Minas e no Brasil. Meu avô Nenê foi fiscal da Estrada de Ferro Oeste de Minas; tio João, diretor da Rede Ferroviária Federal, e a minha irmã Maria Luiza, funcionária concursada na mesma empresa.

Não por acaso, faz tempo que ouço “causos” e mais “causos” sobre a Rede. Nessa semana meu pai cismou de comer bacalhau. Queria porque queria degustar a iguaria. A desculpa foi a abóbora marimba que ele colheu. Já comeu abóbora com bacalhau? Não? Pois então, coma. Papai está coberto de razão. É uma delícia.

E entre comprar, dessalgar a preciosidade, descascar e cortar a abóbora, meu pai contou que houve um tempo que o consumo do bacalhau era corriqueiro em Ribeirão Vermelho. A construção da estação ferroviária e da maior rotunda da América Latina levou muitos portugueses para lá. A cidade foi edificada na margem oposta à foz do ribeirão Vermelho com o rio Grande. Isso lá pelos lados de Lavras.

E se a gente acha que tirar o sal do bacalhau dá um trabalhão danado, pois naqueles tempos, lá em Ribeirão Vermelho, não tinha ciência nenhuma. Era bem mais simples: entre um gole e outro de vinho, os patrícios se fartavam com lascas de bacalhau. Pra tirar o excesso de sal, uma sacudida rápida nas águas do rio Grande.

Imagine se hoje isso seria pelo menos razoável. Os hipertensos que o digam.

Mas, voltando à Rede e aos ferroviários, não há como falar da empresa sem citar um episódio que ficou marcado na nossa família. Corria os anos 1940. No Brasil, as família viviam a escassez extrema. Estávamos em guerra. Açúcar branco, então, era uma raridade. Valia ouro.

Vovô, fiscal bem relacionado, conhecido em muitas estações, foi presenteado com uma pequena porção, não mais que uma mão de açúcar. Encantada com o presente, Vovó Cocota usou tudo na receita de sequilhos. Era tão pouco açúcar que a receita rendeu apenas um prato de biscoitos. Um prato. Nada mais. Era o que dava pra fazer.

Biscoito pronto, perfume se espalhando pela casa, batem à porta. Era um dos muitos compadres do casal. Conversa vai conversa vem, Vovó, delicada como ela só, para agradar, buscou o prato e ofereceu um sequilho à visita. O compadre comeu um, dois … Por fim, para desespero da minha avó, saiu-se com essa:

– Comadre, que gostosura! Faz tempo que não como um desses. Está tão bom que vou levar o que resta no prato pra minha patroa.

E lá se foi o que restava da quitanda.

A história do sequilho que foi sem nunca ter sido ainda hoje é “causo” recorrente nas conversas da família.

Ah, e antes que a sua boca fique que nem um “corgo”, ai vai a receita do sequilho da Vovó Cocota:

Ingredientes:
5 xícaras (chá) de amido de milho
1 xícara (chá) de açúcar
2/3 xícara (chá) de leite de coco
1 gema
1/2 xícara (chá) de margarina
Margarina e farinha de trigo para untar

Modo de fazer:

Em uma tigela, misture o amido de milho com o açúcar. Junte o leite de coco e os demais ingredientes e amasse bem até a massa desgrudar das mãos. Modele os sequilhos fazendo bolinhas e achatando com um garfo. Coloque em uma forma untada e enfarinhada e leve ao forno médio, preaquecido, por 15 minutos. Retire do forno e sirva em seguida.

Essa receita rende 60 deliciosos sequilhos.

4 COMMENTS

  1. Bom demais ler seus textos, sempre delicados. Acabo de ler um e já começo a esperar pelo próximo… Em muitos deles, me sinto ali dentro, como personagem, testemunha ou observadora… São textos que tocam no coração.

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