Caro leitor, o tema desta coluna provavelmente você, que acompanha futebol, já viu por aí em algum momento durante a semana. Por isso mesmo, peço desculpas. Mas o que me motivou a tocar de novo no assunto neste espaço foi a grandeza do gesto do Bahia na rodada do último final de semana do Campeonato Brasileiro. É para aplaudir de pé.
Para quem ainda não ficou sabendo o que aconteceu, vou explicar agora, em detalhes.
No sábado, véspera da partida contra a Chapecoense em Salvador, o clube divulgou em suas redes sociais o seguinte: “Time já definido para amanhã”. Bati o olho naquela imagem e não teve como não ser surpreendido: de 1 a 20, estavam “relacionadas” para o jogo personalidades negras relevantes, de diversas áreas, uma homenagem ao Mês da Consciência Negra.
Cada jogador levaria nas costas um nome especial e com uma certa ligação com a cidade ou com o Estado — dos 20, dois são antigos ídolos do Bahia.
Uma verdadeira aula de história propiciada pelo clube baiano, que explicou quem era cada um deles em seu site (fonte dos detalhes abaixo sobre os personagens). Fez o que se espera de uma instituição desse tamanho, oferecendo seu espaço para refletir sobre a inserção do povo negro na sociedade brasileira e dando a oportunidade para que todos conheçam, via futebol, quem são esses personagens. E nada mais nobre do que a camisa, o manto sagrado de qualquer clube.
No seu site, o clube relembrou também de ações importantes realizadas ao longo do ano, como homenagem à luta dos povos indígenas, das pessoas com deficiência e das mães com filhos desaparecidos. De quebra, o Tricolor promoveu ações contra intolerância religiosa, machismo e homofobia.
O Bahia mostrou na prática alguns dos papéis que devem ser exercidos pelos clubes de futebol, se posicionando como uma referência para a sociedade e auxiliando para que haja um melhor entendimento das pessoas sobre temas que talvez nem seriam abordados pelos torcedores se não fosse um clube popular como o Bahia.
É importante lembrar que, entre todas as capitais brasileiras, Salvador é aquela com a maior população negra e, certamente, reúne, fora da África, uma das maiores (se não a maior) concentração de negros no mundo.
Este Novembro Negro engloba uma data símbolo, o dia 20, escolhida por causa do dia da morte de Zumbi dos Palmares, em 1695.
O exemplo do Bahia, de posicionamento histórico, cultural e social, merece ser seguido em todo o país, em vários momentos carente de mais entendimento. Os clubes de futebol são veículos poderosos demais para isso. Parabéns, Bahia!
P.S. Em campo, o Bahia venceu a Chapecoense por 1 a 0 e deu um passo importante para sua permanência na Série A do Campeonato Brasileiro, que pode receber em 2019 um bom número de clubes nordestinos, o que é fundamental para a descentralização do futebol nacional. Ainda mais em um ano que pode ser marcado pela divisão mais coerente e justa das cotas de TV. Instituições desse porte merecem algo a mais do que sempre competir para se manter na elite brasileira.
P.S. 2 – A camisa, desde já, é histórica! Peça para colecionadores! Essa eu tenho vontade de ter na minha coleção.
Os homenageados: quem é quem
Zumbi (1655-1695). Um dos pioneiros da resistência contra a escravidão e o último líder do Quilombo dos Palmares, o maior do período colonial.
Milton Santos (1926-2001). Baiano, é o único latino-americano que venceu o Vautrin Lud, o “prêmio Nobel” da geografia mundial. Milton se destacou pelos estudos sobre globalização e urbanização no Terceiro Mundo.
Dandara (? – 1694). Mulher de Zumbi, com quem teve três filhos, a guerreira negra cometeu suicídio para não retornar à condição de escrava após ser presa.
Moa (1954-2018). Um dos maiores mestres de capoeira de Angola da Bahia, foi fundador do bloco afoxé Badauê. Seu assassinato neste ano comoveu o país.
Luiza Bairros (1953-2016). Doutora em Sociologia pela Universidade de Michigan, foi ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Gaúcha, construiu seu histórico de militância negra na Bahia.
Ganga Zumba (1630-1678). Primeiro líder do Quilombo dos Palmares e antecessor de Zumbi, seu sobrinho.
Maria Felipa (? – 1873). Uma das heroínas da luta pela Independência na Bahia, liderou um grupo de 200 pessoas, entre mulheres e índios, contra portugueses que atacavam a Ilha de Itaparica em 1822. Foi marisqueira, pescadora e trabalhadora braçal.
Mãe Menininha (1894-1986). Mais famosa ialorixá da Bahia e uma das mais admiradas mães de santo do país. Responsável por abrir as portas do Terreiro do Gantois, em Salvador, aos brancos e católicos.
Luis Gama (1830-1882). O baiano é considerado o patrono da abolição da escravidão no Brasil. Conquistou judicialmente sua própria liberdade e passou a atuar na advocacia em prol dos negros.
Batatinha (1924-1997). Um dos maiores nomes do samba na Bahia, homenageado por artistas como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Paulinho da Viola, Chico Buarque e Maria Bethânia.
Ederaldo Gentil (1947-2012). Mais um representante do samba baiano. O cantor e compositor foi gravado por Clara Nunes.
Neguinho do Samba (1954-2009). Músico criador do estilo samba-reggae e fundador do grupo Olodum e da banda Didá, ambos sediados no Pelourinho, em Salvador.
Mestre Bimba (1900-1974). Criador da luta regional baiana, mais tarde chamada de capoeira regional. Responsável por tirar a capoeira da marginalidade.
Luísa Mahin (século XIX). Africana, liderou as principais revoltas e levantes de escravos na província da Bahia nas primeiras décadas do século 19.
Jonatas Conceição (1952-2009). Poeta e professor, foi um dos fundadores do Movimento Negro Unificado na Bahia. Foi diretor do bloco Ilê Aiyê, onde coordenava o projeto pedagógico.
Teodoro Sampaio (1855-1937). Filho de uma escrava, foi um dos maiores pensadores brasileiro de seu tempo. Nascido na Bahia, foi engenheiro por profissão, mas escreveu obras de vasta erudição geográfica e histórica.
Biriba (1938-2006). Grande ídolo do Bahia, campeão da Taça Brasil de 1959, torneio depois equiparado ao Campeonato Brasileiro pela CBF. Na final, o Bahia derrotou o Santos de Pelé. Nasceu no bairro de Itapuã, em Salvador.
Carlito (1927-1980). Maior artilheiro da história do Bahia, com 253 gols feitos entre 1946 e 1959. É o maior goleador dos clássicos Ba-Vi, com 21 tentos.
Manoel Querino (1851-1923). Fundador do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia e da Escola de Belas Artes, foi pintor, escritor, abolicionista e pioneiro nos registros antropológicos e na valorização da cultura africana na Bahia.
Edison Carneiro (1912-1972). Nascido em Salvador, o escritor foi um dos maiores etnólogos brasileiros a estudar a cultura afro-brasileira. Jornalista, professor e folclorista, é o autor do livro “Quilombo dos Palmares”.
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