O melhor campeonato nacional do mundo, a Premier League, começou no final de semana passado e, como sou fã do futebol inglês, vira e mexe vou falar por aqui sobre os bons exemplos que a pátria mãe do esporte pratica — e que, confesso, adoraria que nossos dirigentes copiassem sem dó nem piedade no Brasil. Mas essa parte do sonho eu vou deixar para outro dia. Desta vez, eu vou contar uma história pitoresca de amor e ódio que aconteceu na Inglaterra há alguns anos. Como eu já falei, boas histórias sempre merecem ser contadas.
O cenário é a cidade de Manchester, terra de dois dos maiores favoritos ao título inglês desta temporada, o City, de Guardiola, e o United, de Mourinho, uma dupla de treinadores para causar inveja em todo o mundo. Em 1974, os ingleses não conviviam com gramados perfeitos, estádios com todos os locais marcados e muito menos com torcedores que assistiam aos jogos sentados. Estrangeiros? Só mesmo os vizinhos galeses, irlandeses e escoceses.
O personagem central da nossa história, inclusive, nasceu em Aberdeen, no norte da Escócia. Seu nome? Denis Law. O atacante, como vários de seus compatriotas, começou a carreira na Inglaterra — no seu caso, no Huddersfield, em 1956. Em 1960, o Manchester City, que nem de longe era o ricaço dos dias atuais, bateu o recorde nacional de transferências ao pagar 55 mil libras por Law. Começava ali uma história incrível de amor na famosa cidade industrial inglesa (e berço de muita música boa).
Bastou uma temporada no City para Law ser envolvido em um outro recorde. Em 1961, o Torino, da Itália, pagou 110 mil libras, a maior quantia desembolsada até então por um jogador britânico. A gangorra não parou por aí e Manchester sentiu saudade de seu habitante famoso. Law voltou para o norte da Inglaterra em 1962 para…. jogar no Manchester United, que pagou 115 mil libras para ter o jogador e, assim, quebrar mais uma vez o recorde nacional.
História de amor
Começava ali a maior história de amor de Denis Law. O atacante defenderia por 11 anos o Manchester United e se transformaria em seu terceiro maior artilheiro em todos os tempos (237 gols em 404 partidas), atrás apenas de Wayne Rooney e Bobby Charlton. Daria ao clube seu primeiro título continental, a então Copa da Europa, a atual Champions League, em 1968. Além disso, foi bicampeão inglês (1965 e 67) e campeão da Copa da Inglaterra (1963). Aliás, só levantou taças na carreira quando defendeu o United.
Tamanho desempenho deu a Law apelidos como O Rei e The Lawman, um trocadilho esperto com o seu nome. Hoje, quem visita o estádio do clube, Old Trafford, se depara com uma estátua de Law, voltada para a fachada, com o braço erguido ao lado de Charlton e George Best, companheiros na conquista europeia em 1968.
Uma história espetacular de sucesso e reconhecimento, certo? Mais ou menos.
Polêmica mudança
Em 1973, Law mudaria de clube pela última vez na sua carreira. E decidiu jogar pelo… Manchester City! Sim, o rival citadino contratou o então segundo maior artilheiro de todos os tempos de seu principal inimigo. Um ídolo local, mas vestindo outra camisa. Os Citizens fizeram um campeonato bem discreto em 1973/74, terminando em um insosso 14º lugar. Law participou de 24 jogos daquela campanha e fez nove gols, um desempenho tímido para um grande artilheiro como ele. Mas um desses gols marcaria sua vida para sempre.
Em 27 de abril de 1974, a penúltima rodada do campeonato marcava Manchester United x Manchester City em Old Trafford. Era a volta de Law ao palco onde sempre brilhou. A maioria das 56.996 pessoas que pagaram ingressos estavam no local para não só empurrar o United à vitória no clássico como para ajudar a evitar a queda do gigante para a segunda divisão. Sim, os Red Devils precisavam da vitória para chegar à última rodada com chances de evitar o desastre.
O United deu esperanças à torcida ao manter uma invencibilidade de seis jogos antes do clássico, que não saiu do zero até que, no segundo tempo, a nove minutos do fim, uma bola cruzada na área termina com um gol de calcanhar do Manchester City. Feito por…. Denis Law. Talvez naquele instante, o escocês tenha percebido o “crime” que cometeu. Não comemorou. Atravessou o campo de cabeça baixa e pediu para ser substituído.
Os torcedores que tanto o amaram nos 11 anos anteriores invadiram o campo e cercaram o antigo ídolo, que tentava seguir sua caminhada rumo aos vestiários. O gol, que deu a vitória ao City por 1 a 0, terminava ali, cinco minutos antes do tempo regulamentar. O resultado seria confirmado pela Federação Inglesa logo depois, apesar da invasão.
Confira o histórico gol de Law pelo City contra o United em Old Trafford:
Pena eterna
Atordoado, Denis Law anuncia ainda nos vestiários sua aposentadoria, ignorado o fato de que ainda teria um ano de contrato com o Manchester City. Law jamais entraria em campo profissionalmente por nenhum clube. Pouco mais de dois meses depois, faria um único jogo na Copa do Mundo da Alemanha, quando defendeu a Escócia diante do Zaire. E, definitivamente, nunca mais pisaria em um gramado.
Law jamais se perdoaria pelo crime cometido. Ele sempre será o homem que rebaixou seu clube de coração.
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