Minas Gerais vai iniciar uma campanha para que o advogado Mário Ottoboni, o “pai” e criador das Apacs (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados), seja indicado ao Prêmio Nobel da Paz em 2018. A metodologia Apac, lançada em 1972, em São José dos Campos (SP), é uma alternativa revolucionária ao sistema prisional tradicional e está presente hoje em 23 países. Nela, os presos têm a chave da prisão, cuidam da própria segurança, todos trabalham e estudam e o percentual de reincidência no crime é de 20%, contra 75% no sistema tradicional.
A ideia de iniciar um movimento para indicar Mário Ottoboni ao Nobel da Paz é do vereador Gabriel Azevedo (PHS), que é também advogado e professor de Direito Constitucional. Embora Ottoboni seja paulista, foi em Minas Gerais que a ideia das Apacs mais prosperou. Hoje existem 48 em funcionamento em todo o país, 39 delas em território mineiro.
“O sistema prisional do Brasil está falido. Os presídios, infelizmente, funcionam como escola para criminosos. Dos que conseguem sair, boa parte volta a praticar algum tipo de crime. E temos aqui um modelo que pode ser a solução para a população carcerária do país, hoje próxima de 1 milhão, e de outros países, uma vez que o modelo já foi replicado com êxito no exterior, inclusive nos Estados Unidos. Nada mais justo do que indicar o pai desta ideia para Nobel da Paz”, explica o vereador Gabriel.
A intenção, de acordo com o vereador, é iniciar um movimento para que essa seja uma causa de Minas. Ele vai procurar o Tribunal de Justiça do Estado, que apoia integralmente o modelo Apac, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Assembleia Legislativa, bem como entidades de classes, instituições do Terceiro Setor e convidar a todos para abraçar a campanha para indicar Ottoboni ao Nobel da Paz.
Valorização do ser humano
O Boas Novas falou por telefone com o advogado Mário Ottoboni sobre a possibilidade de ele vir a ser indicado ao Nobel da Paz. Ele reagiu com modéstia. “Evidentemente que ficaria feliz se isso acontecesse. Mas ficaria feliz mesmo se tivéssemos, no Brasil e no mundo, um sistema prisional que, de fato, ajudasse a recuperar o preso. Os presídios que temos hoje no nosso país são verdadeiras escolas do crime”, disse dr. Mário, como é chamado por quem conhece seu trabalho.
Mas Mário Ottoboni tem uma certeza. Caso seja indicado e ganhe o prêmio de mais de US$ 1 milhão (mais de R$ 3 milhões), ele já sabe o que fazer com o dinheiro: “vou usar para ajudar a disseminar o modelo Apac que, tenho certeza, é a chave para resolver o problema das prisões no Brasil, que é gravíssimo.”
Com 87 anos, exibe o vigor de um jovem quando fala da Apac e revela o segredo do modelo que consegue, de fato, recuperar o preso e reintegrá-lo à sociedade: valorização do ser humano. “Ninguém é irrecuperável. Com 46 anos de Apac está mais do que claro que ela é a grande solução para esse modelo que está ai. O sistema prisional trata os presos como animais, joga 1.500 pessoas num lugar em que não cabem mais do que 500. Não tem como dar certo”, afirma.
Com quase 5 décadas à frente da Apac, Mário Ottoboni coleciona centenas de bons exemplos de como o modelo que ele criou, juntamente com um grupo de 15 voluntários, ainda na década de 60, consegue, de fato, recuperar o preso para a sociedade. Ele lembra de um que foi emblemático.
“Do amor ninguém foge”
“Num determinado dia recebi um telefonema de um juiz perguntando se eu aceitava receber na nossa unidade um criminoso que já havia fugido de todos os seis presídios para os quais havia sido transferido. Eu disse a ele que poderia mandar, pois não trabalhamos com bandidos e, sim, com seres humanos”.
Quatro meses depois foi a vez de Ottoboni ligar para o juiz para informar que estava entregando as chaves da cadeia para aquele preso. “Claro que ele disse que eu estava louco. Mas quando fiz isso eu disse ao recuperando que sabia do seu histórico de fuga e estava facilitando seu trabalho ao lhe entregar as chaves. A resposta dele até hoje me emociona: do amor ninguém foge”. Aliás, nas Apacs os presos são tratados como recuperandos.
Como foi em Minas que as Apacs mais prosperaram, o seu criador vem com frequência ao Estado, seja para dar palestras para espalhar a ideia, seja para visitar algum presídio que adota o modelo Apac. No último dia 16 ele esteve em Pouso Alegre, Sul do Estado, para visitar a unidade que tem 500 presos. “Sempre que visito uma Apac volto revigorado. Essa de Pouso Alegre é mesmo uma beleza”, diz ele.
O advogado tem uma explicação para o fato de Minas Gerais abrigar o maior número de Apacs no país. O apoio, primeiro, do Poder Judiciário. O Tribunal de Justiça é o único do país que criou um programa, o Novos Rumos, para disseminar pelas comarcas do Estado esse modelo de prisão. Segundo, o apoio do Executivo, que vem construindo, nos últimos anos, presídios para já receber detentos no modelo Apac. O terceiro motivo: “acho que os mineiros são mais cristãos do que a maioria dos Estados”, diz Mário.
As 39 Apacs de Minas tem cerca de 3.500 recuperandos. As outras nove, que completam as 48 existentes, estão no Maranhão (seis), Paraná (duas) e Rio Grande do Norte (uma). Existem outras 69 Apacs em fase de implantação, sendo 39 delas em Minas Gerais. Uma delas será uma penitenciária feminina em Belo Horizonte, com capacidade para 180 presas (ou recuperandas), a primeira de uma capital do país. No mundo, o modelo Apac já foi adotado em 23 países, como a unidade de Huston, no Texas (EUA), inaugurada por Ottoboni quando era governador do Estado George Bush, que mais tarde se tornaria presidente do país.
Ao contrário de Minas, os defensores do modelo Apac não têm conseguido muito apoio de boa parte dos Estados brasileiros e, muito menos, do governo federal. E o que Mário mais lamenta é esse desprezo do governo federal por esse modelo que já demonstrou ser tão bem-sucedido. “Nenhum presidente nos últimos anos, nem Fernando Henrique, nem Lula, nem Dilma, nem Michel Temer deu nenhum tipo de ajuda para as Apacs. Ajuda zero. E o Michel, que foi secretário de Justiça do Estado de São Paulo, conhece bem o modelo sempre me procurava para elogiar os nossos resultados. Mas não nos ajudou com nada”, observa.
O indicado
Mário Ottoboni nasceu em 11 de setembro de 1931 na cidade de Barra Bonita, no estado de São Paulo. Com um mês de vida mudou para São José dos Campos, onde vive até hoje. É casado e tem quatro filhos.
Formou-se em advocacia e logo que começou a trabalhar passou a dar assistência jurídica, sem sem honorários, a presos que não tinham como pagar um advogado. Começou aí o seu interesse pelo sistema prisional.
Ainda na década de 60 ele criou um grupo de 15 pessoas para ver de perto a realidade nas cadeias brasileiras e estudar uma alternativa. O cenário encontrado foi de violação dos direitos humanos, superlotação das celas, péssimas condições de higiene, riscos de proliferação de doenças.
Doze anos depois de iniciados os trabalho, Mário Conta conta que chegaram ao modelo Apac. Nesse período, ele decidiu fazer psicologia para entender melhor o preso e ter melhores condições de ajudá-los. Ficou também por um período nos Estados Unidos, onde fez um curso de liderança e planejamento. Em 1972 nasceu a primeira Apac em São José dos Campos, São Paulo.
Em algumas unidades Apac, segundo Ottoboni, o percentual de reincidência dos presos no crime chegou a 5%, enquanto no Brasil é de 75% e no mundo de 80%. O custo de um preso Apac é 50% menor para o Estado do que no modelo tradicional.
Com 87 anos, o pai das Apacs diz que a trajetória, ao longo desses quase 50 anos, não foi fácil. “Já fui processado por dez vezes”, conta ele. E não é a indicação para o Nobel, caso ocorra, nem a possibilidade de vitória, que mais o motiva. O que mais lhe dá ânimo é a possibilidade de que o modelo que ele criou ajude a recuperar mais e mais presos no Brasil e mundo afora. “Somos todos filhos de Deus”, diz ele.
Dr. Mário é também escritor, autor de mais de 25 obras. Entre seus livros publicados estão: “Vamos matar o criminoso?”, “Seja solução, não vítima”, “Testemunhos de minha vida e a vida de meus testemunhos”, “Franz de Castro Holzwarth”, “A comunidade e a execução da pena”.
As Apacs de todo o Brasil são administradas e fiscalizadas pela Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados (FBAC), com sede em Itaúna (MG). A entidade é vinculada à à Prison Fellowship International (PFI), organização não governamental que atua como órgão consultivo da ONU em assuntos penitenciários.
A PFI foi criada nos EUA, em 1976, por Charles Colson, que a fundou depois de deixar a prisão, onde cumpriu pena pelo envolvimento no escândalo Watergate, quando era assessor do presidente norte-americano Richard Nixon. Quando visitou a Apac de São José dos Campos, o fundador da PFI deixou ali a seguinte mensagem: “Esta é a única prisão de que não tive vontade de sair. A Apac é um milagre”.
A metodogia Apac criada por Mário Ottoboni pode ser resumida em 12 passos:
- Participação da Comunidade
- Recuperando ajudando recuperando
- Trabalho
- Espiritualidade
- Assistência Jurídica
- Assistência à saúde
- Valorização humana
- Família
- O voluntariado e sua formação
- Centro de Reintegração Social (CRS)
- Mérito do recuperando
- Jornada de libertação com Cristo