Jornalista deixa Redação para se dedicar ao queijo mineiro

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Queijo mineiro preparado para degustação

“O queijo me atropelou.” É assim que o jornalista Eduardo Tristão Girão comenta sua nova relação com um produto que tem a cara e leva o nome de Minas Gerais ao mundo. Girão, que escreve sobre gastronomia desde 2004, tornou-se uma espécie de porta-voz do queijo mineiro artesanal no último ano. Em degustações, palestras, cursos e outros eventos, difunde formas clássicas e novidades produzidas em fazendas do Estado.

Sim, esse produto quase trivial em nossas mesas tem ganhado novas características e status. São queijos mofados, maturados por longos períodos — há casos de mais de 12 meses de maturação, a exemplo de uma peça de um ano e meio de cura que Girão levou, recentemente, a uma degustação. Como produto nobre, gastronômico, o queijo mineiro tem despertado a atenção de um público disposto a investir um pouco mais em um produto que tem sofisticação e oferece uma experiência gastronômica mais elaborada.

São muitas as diferenças com o queijo tradicional: perfis de sabores e aromas únicos, acidez, cremosidade, dureza, intensidade. “O queijo minas já não é mais aquele branquinho, lisinho, escovado, como estávamos acostumados. Não é igual ao da década de 50, que já não era mais o do século 18, 19. É muito natural que mude. Ainda assim, é um choque para as pessoas, muitas não estão habituadas a ver o queijo enrugado, mofado”, comenta o jornalista.

O jornalista Eduardo Girão, que pesquisa e promove o queijo mineiro

De jornalista a especialista

Talvez a principal função de Girão seja a de traduzir e apresentar essas mudanças para o público, aproveitando a expertise de jornalista gastronômico. Contam, claro, habilidades como apuração, entrevista, curadoria e um grande conhecimento a respeito das características de cada queijo — não só sensoriais, mas sobretudo das histórias por trás de cada pedacinho servido.

Por isso, no trabalho também cabe uma boa dose de pesquisa, inclusive de campo, uma de suas grandes paixões — ele já fez muitas expedições à serra da Canastra, ao Serro, à Mantiqueira. Um caso recente bem representativo foi a viagem que ele fez, em novembro, para conhecer a produção do queijo minas de Alagoa, do Sul de Minas, cuja produção é semelhante à do parmesão e quase nada conhecida da porteira para fora.

Na visita, Girão se surpreendeu com um detalhe que é fundamental para a feitura do queijo, mas a respeito do qual nunca ouvira falar: um artefato de madeira usado para mexer o coalho na receita. Parece um mero detalhe, mas ganhou muita atenção do jornalista, afinal, trata-se de um gestual típico, de uma herança cultural que forma o saber gastronômico do nosso povo.

“Se trocarem o rodo de madeira por um de inox, por exemplo, não vira queijo, porque a madeira ‘canta’ no fundo do tacho quando o queijo está pronto”, diz, enfatizando o quão precioso é o método artesanal e tradicional. Assim, Girão vê poesia no canto da madeira no fundo do tacho e destaca que trata-se de uma riqueza cultural.

Amostra de queijos de minas, selecionados por Eduardo Girão

São pequenas descobertas como essa que a pesquisa pela internet não substitui. “Visitei quatro produtores. Um deles usa o mesmo rodo há 33 anos. São coisas que você conhece indo lá na fazenda, vendo o processo. E para mim foi uma grande oportunidade ver e registrar a produção inteira. Todo mundo em Alagoa usa esse rodo, é como um símbolo, se fôssemos eleger. Impressionante como é uma coisa tão óbvia, mas a informação não chega até aqui. Vislumbramos um perigo aí, porque essas coisas não podem se perder”, afirma.

Assim, por meio de histórias como essas, contadas em seus eventos, Girão aproxima os produtores de um público interessado em comer e beber bem. Embora a modéstia, um traço de personalidade tão tipicamente mineiro, o impeça de reconhecer seu trabalho como algo que tem mudado o cenário queijeiro em Minas, ele admite que tem influenciado os produtores. “Na medida em que eu dou um feedback das reações do público, do comportamento dos queijos nas degustações, eles se sentem mais seguros para continuar investindo nisso. Sei que meu trabalho tem um impacto, mas o que eu faço é muito pequeno dentro de um universo enorme.”

O produtor Paulo Matos, gerente executivo da Associação dos Produtores de Queijo da Canastra (Aprocan), tem uma visão mais generosa. “O trabalho desenvolvido pelo Girão é crucial, porque ele apresenta o queijo pelo queijo. Isso ajuda as pessoas a perceberem a riqueza que cada um deles tem. É um trabalho de formação de público e conscientização importantíssimo para o nosso Estado”, afirma, destacando, também, o trabalho de alguns chefs de cozinha que têm valorizado mais o produto do Estado, como Jaime Solares, Flávio Trombino, Eduardo Maia, entre outros.

Uma mudança de rumo

O trato exclusivo com os queijos não estava nos planos de Eduardo Girão. Ex-repórter do jornal “Estado de Minas”, em 2016 ele estava insatisfeito com os rumos do jornalismo impresso quando passou parte das férias na serra da Canastra. Logo depois, por coincidência foi para Paris.

Passou por lá dois meses de laboratório, experimentando tudo o que podia — e é claro que os queijos tiveram grande participação nesse processo. “Fiz disso uma oportunidade para conhecer mercados, comer em restaurantes. Visitei uma loja de queijos em Paris, Androuet, que está aberta desde 1909. Imagine o quanto eles estão avançados nessa coisa que ainda é incipiente por aqui”, diz.

De volta ao Brasil, planejava abrir um site com seu nome, trabalhando por conta própria e produzindo material sobre gastronomia. Em suma, pretendia lançar-se como marca. O plano ainda existe e deverá sair do papel, mas, como ele disse lá no início deste texto, o queijo o atropelou: teve de adiar os planos. A ideia de uma degustação de queijos nem foi dele, conforme conta. Surgiu pouco antes da viagem à França, de um convite, nunca concretizado, por um bar de BH.

Eduardo Girão em um dos seus eventos de degustação de queijo | Foto: Guilherme Bergamini

Embora o primeiro não tenha rolado, a ideia foi semeada e ele enxergou o potencial de conduzir degustações com os artesanais, apresentando as diferenças entre eles, educando um público sedento por novidades e conhecimento gastronômico. Incluiu aí uma mudança que talvez tenha feito toda a diferença: a harmonização. E, desde então, foram mais de 40 desses encontros, realizados em locais variados, com formas igualmente distintas.

Inicialmente, os eventos aconteceram em Belo Horizonte, mas ultimamente Girão tem apresentado os queijos em outras paragens, como Tiradentes, Diamantina, Fortaleza. Já harmonizou os produtos com cervejas nacionais e alemãs, vinhos e, mais recentemente, cafés especiais.

O trabalho gerou uma parceria com uma rede de supermercados, para quem o jornalista fará um trabalho de consultoria, para incluir nas gôndolas os produtos especiais. Na semana que vem, parte para Salvador, onde vai prestar consultoria para a abertura de uma loja de queijos.

Queijo mineiro também é política

A gastronomia passa por um momento de combate no Brasil. Há uma tentativa de enfrentamento de políticas sanitárias nacionais, movimento encabeçado por profissionais ligados ao setor, como chefs e produtores. É o caso da gaúcha Roberta Sudbrack, que, no Rock In Rio deste ano, viu 80 kg de linguiça e de queijo serem jogados fora por serem artesanais e não contarem com um carimbo do Ministério da Agricultura que permitisse o consumo fora do Estado de origem.

O queijo minas artesanal, mesmo sendo patrimônio imaterial tombado pelo Instituto de Patrimônio Histórico Nacional (Iphan), também enfrenta este tipo de problema. Conforme a legislação em vigor, dependendo das condições de produção, não pode ser comercializado fora das fronteiras de Minas. Entre essas condições estão os maturados e mofados, que tanto têm sido valorizados pela alta gastronomia.

Foi o que aconteceu em junho deste ano, por exemplo, com o queijo Senzala, produzido no município de Sacramento. O produto viajou com a produtora Marly Leite para ganhar uma medalha Super Ouro, de primeiro lugar, no Salão Internacional do Queijo da França, em Tours. Seria perfeito, não fosse um detalhe: para chegar lá, o queijo teve de sair escondido na bagagem da produtora, clandestinamente.

Girão também toma para si essa briga. Recentemente, em um ciclo de debates realizado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, usou sua fala para tocar nessa ferida. Finalizou a palestra cutucando: “Pode ser gostoso ganhar prêmio na França com queijo que viajou clandestinamente. Mas, no fundo, é vergonhoso”. E termina com uma referência ao norte-americano Michael Pollan: “Comer é um ato político. E a gente tem que escolher o lado em que está”.

Onde encontrar queijos mineiros

Os queijos artesanais mineiros podem ser encontrados em Belo Horizonte nas lojas Néctar do Cerrado, De Lá e Roça Capital.

Para acompanhar cursos e degustações do jornalista Eduardo Girão, basta seguir suas redes sociais: Facebook e Instagram.

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