O estranho mundo das tias corujas

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As crianças crescem tão rápido. Num piscar de olhos não existe mais barriga, as madrugadas insones viraram apenas uma lembrança incômoda, os seios da mãe voltaram a ser … ah, dois seios, e a papinha agora é um prato imenso, sem verdinhos, é claro!

  • Que história é essa que você não gosta de carne com osso?
  • Ele gosta, sim, Tia Gisele! Lá em casa e na casa da Vovó Dalva ele come de tudo.

Crianças! São só crianças. Mas como cresceram. Quero desse fermento para os meus bolos. Nunca mais nenhum vai ficar solado. Isso eu garanto.

Ainda em um outro dia, aproveitando a adormescência do dia na mesa do quintal, me surpreendi com o tom filosófico que a prosa tomou.

Tudo começou com uma das tias fazendo aquela pergunta clássica:

  • O que você quer ser quando crescer?
  • Ah, já pensei em ser youtuber, mas ainda não me decidi. Sou criança. Isso ainda vai demorar um pouco.

E a Tia do meio, querendo ser pragmática, emendou:

  • Você poderia pensar em Engenharia Ambiental. Ou, quem sabe, Agronomia? Você leva jeito pra isso.
  • Vou pensar. Ainda tenho tempo.
    Foi aí que o papo embicou pro lado da literatura e da filosofia.
  • Você conhece o escritor Guimarães Rosa? Perguntou a Tia do meio.
  • Ah, o nome não me é estranho.

Ãhhhh,?? Disseram as tias como se tivessem ensaiado.

A tia mais nova comentou em tom professoral:

  • No colégio em que eu trabalho as crianças conhecem. As turmas até vão a Cordisburgo pra saber mais sobre a vida e a obra dele. E na sua escola? Nunca ensinaram sobre esse escritor?

E antes que a “vítima” se manifestasse, eis que a Tia do meio entra na conversa:

  • Guimarães Rosa tem uma frase que traduz as incertezas do futuro.
  • É mesmo? Diz o sobrinho, demonstrando uma certa surpresa, o que já era de se esperar, levando-se em conta a sua conhecida sede de conhecimento.

E a Tia do meio, já comemorando o interesse do menino de alma antiga pela literatura, comenta:

  • “Viver é muito perigoso”.

Ao que a Tia mais nova complementa:

  • E “a felicidade se acha é nas horas de descuido”.

A Tia mais velha, que até o momento apenas observava, diz com sabedoria:

  • Tem também o Fernando Pessoa, um poeta português que segue a mesma linha de raciocínio. Ele também fala sobre as incertezas do futuro. E na sequência, recita:
  • “Navegar é preciso. Viver não é preciso”,
    Todas as tias – a mais velha, a do meio e a mais nova – quase perguntam em coro:
  • Você entendeu o que ele quis dizer?
  • É claro, tias! Quer dizer que a gente precisa seguir em frente e que nem sempre o nosso futuro vai ser como planejamos.

-Ãhhhhh!!!

  • Pra onde é que você está indo. Volte aqui. Vamos continuar a nossa conversa.
  • Depois, Tias. Vou voltar para o Robox. Deixei o computador aberto. Meus amigos estão esperando.

Ah, esse menino de alma antiga com os pés no futuro!

E antes que vocês me perguntem porque omiti o nome do sobrinho, já vou respondendo. Fui proibida pelo próprio.

  • Você fica me expondo, Tia Gisele! Se você insistir, vou lhe cobrar direito de imagem.

Uai, aonde é que ele aprendeu isso? Ainda ontem era só um menininho.

Essas tias corujas! Até posso escutar o B … (ops!) dizendo.

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