O jovem Vitor Belota, 28 anos, formado em administração de empresas e bacharel em direito, decidiu fazer da solidariedade uma carreira. Ele é empreendedor social, um profissional que monta um negócio em que o principal objetivo não é gerar lucro, mas melhorar a qualidade de vida das pessoas.
É o que ele vem fazendo com a Litro de Luz, uma ONG que ele implantou no início de 2014 para levar luz a milhares de pessoas de comunidades em vários cantos do Brasil que, mesmo no século 21, ainda não têm acesso à energia elétrica.
O trabalho da ONG já impactou diretamente a vida de mais de 6 mil pessoas em cidades de seis Estados do Brasil, além do Distrito Federal. Para levar luz a essas comunidades, a Litro de Luz usa uma tecnologia simples, econômica e ecologicamente sustentável, que é composta por garrafas de plástico, painéis solares e lâmpadas LED.
A decisão de ser empreendedor social, ele conta ao Boas Novas, foi tomada após retornar de uma viagem ao Quênia. Ele decidiu ir para esse país da África Oriental para dar aulas de matemática e inglês em uma escola da capital, Nairóbi. Percebeu que as salas de aula eram muito escuras e decidiu correr atrás de uma solução.
Pesquisou e descobriu que havia uma solução com garrafas pet que podia melhorar a luminosidade nas salas de aula. A ideia é encher garrafas de plástico com água e alvejante e colocá-las nos telhados. Expostas à incidência dos raios solares, pelo processo de refração da luz na água, os recipientes conseguem iluminar o ambiente. Cada garrafa fornece a mesma quantidade de luz que uma lâmpada de 55 watts, com a vantagem de não emitir gás carbônico. E, com esse projeto, Vitor levou luz para 14 escolas do Quênia.
Empreendedor social
“Quando voltei para o Brasil decidi que queria empreender na área social e que isso ia ser a minha carreira”, conta Vitor. Na bagagem, ele trouxe também a ideia de implementar o projeto das garrafas pet no Brasil.
Ao se debruçar sobre o assunto, Vitor descobriu que a luz de pet tinha sido inventada pelo mecânico mineiro Alfredo Moser, de Uberaba, na crise energética de 2002. E que o filipino Illac Diaz, que havia assistido uma matéria sobre Moser na BBC, havia criado a Liter of Light, uma vez que nas Filipinas havia uma grande demanda por iluminação.
“Mandei mensagem para ele querendo conhecer mais o projeto e pedindo autorização para usar a marca no Brasil. Ele autorizou e no início de 2014 nasceu a Litro de Luz”, lembra. Natural de Brasília, Vitor morou por anos em Florianópolis e tem São Paulo como sua principal base de trabalho.
Hoje, além do trabalho na Litro de Luz, Vitor Belota é community manager da Civi-co, um tipo de coworking inédito no Brasil, pensado para abrigar empresas que trabalham com impacto, inovação social e que estejam interessadas em ajudar a melhorar políticas públicas. A missão de Vitor é selecionar as empresas e instituições que queiram fazer parte da Civi-co, em São Paulo.
Em entrevista ao Boas Novas, o jovem Vitor fala do trabalho da Litro de Luz, da sua experiência na África, conta como é trabalhar com empreendedorismo no Brasil e da sua escolha em ser empreendedor social. “É uma vida mais feliz, mais completa”, assegura.
Boas Novas — Gostaria que você explicasse, primeiro, o que é e o que faz um empreendedor social.
Vitor Belota — O termo empreendedor social foi criado pelo fundador da Ashoka [uma organização internacional com foco em empreendedorismo social], o norte-americano Bill Drayton, em 1980. Trata-se de alguém que está empreendendo com o objetivo principal de resolver um problema social. Independentemente do modelo do negócio, esse profissional não empreende apenas para si mesmo, simplesmente para gerar lucro, mas para a sociedade. Na prestação de serviço, ou na venda do produto, este empreendedor está resolvendo um problema social. É inerente a sua atividade.
BN — Como é trabalhar como empreendedorismo social num país como o Brasil, que é considerado um dos países mais desiguais do mundo?
VB — É ao mesmo tempo difícil, pela realidade que a gente vive, mas é também uma ótima oportunidade de negócio social, para fazer empreendedorismo social. Não, evidentemente, que seja alguma coisa boa pra gente, profissionais da área. Na verdade, o objetivo de todo empreendedor social é se tornar obsoleto, é deixar de existir. Mas como a gente está cheio de problemas sociais por ai, o empreendedor social vê esses problemas como oportunidades.
BN — Você começou o seu trabalho como empreendedor social pelo Quênia. Porque a opção por esse país africano e o que você fez por lá?
VB — Optei pelo Quênia, na época, porque tinha duas amigas que já tinham ido para lá e tiveram uma ótima experiência. Mas eu queria também sair da minha zona de conforto, ampliar os meus horizontes de Mundo. E fui também porque tinha uma escola específica para a qual eu estava levando um dinheiro. Mas, quando eu fui, minha intenção não era fazer trabalho social. Fui para dar aula de matemática e inglês. Chegando lá, tive contato com uma realidade completamente diferente. E é só vendo, só sentindo para entender. Muda sua visão de mundo, suas perspectivas. Não dá para se fazer de cego depois de você ver algumas coisas. E foi lá que senti, pela primeira vez, no meu dia a dia, que meu trabalho fazia diferença na vida de alguém. Todo dia que eu acordava para trabalhar eu ajudava a vida de alguém. E esse sentimento é muito especial. Depois que você tem esse sentimento uma vez, é difícil não querer tê-lo novamente. E quando eu voltei para o Brasil eu decidi que realmente eu queria empreender na área social, que isso ia ser a minha carreira.
BN — Foi no Quênia que você conheceu o trabalho da Liter of Light?
VB — Na verdade, lá conheci a tecnologia do litro de luz, a garrafa pet. Então, fizemos cerca de 140 instalações em 14 escolas do Quênia. E aí decidi fazer um trabalho parecido aqui no Brasil. Quando retornei e fazendo pesquisas sobre o assunto, descobri que existia uma organização que já trabalhava com essa tecnologia e se chamava Liter of Light. A ideia da ONG tinha sido inspirada no trabalho do brasileiro Alfredo Moser, um mecânico de Uberaba, que inventou a luz de pet. O filipino Illac Diaz viu uma matéria com Moser na BBC e decidiu criar a Liter of Light, uma vez que nas Filipinas havia uma larga demanda por iluminação. Como gostei muito do nome, fiz contato com Illac para entender melhor o projeto e perguntar se podia usar a marca no Brasil. Ele autorizou e hoje, em número de voluntários, a Litro de Luz do Brasil é a maior célula do projeto no mundo. No início de 2014, quando começamos o trabalho, havia no país 2,7 milhões de pessoas sem energia, especialmente na região Norte.
BN — A Litro de Luz Brasil vai completar quatro anos. Qual o balanço do trabalho neste período? Quantas pessoas já foram beneficiadas?
VB — Bom, iniciamos o trabalho em 2014 e até hoje já instalamos mais de 800 postes e lampiões em Brasília, Goiânia, Amazonas, Paraíba, Rio de Janeiro, São Paulo e Santa Catarina. Nossa estimativa é que cerca de 6 mil pessoas já foram diretamente beneficiadas. Nesse período, também recebemos dois prêmios muito importante. Um deles é o Prêmio St. Andrews Prize For The Environment, da Universidade St. Andrews, na Escócia, um dos mais importantes do mundo na área ambiental, concorrendo com mais de 540 projetos de 94 países. Recebemos US$ 100 mil, recurso que nos ajudou a financiar alguns projetos. Agora em novembro, recebemos o prêmio da Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social, na categoria Cidades Sustentáveis e Inovação Digital.
BN — Quem financia o trabalho desenvolvido pela ONG?
VB — Hoje, nosso principal mantenedor são os projetos que desenvolvemos dentro do programa de Eficiência Energética, criado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que é desenvolvido pelas empresas concessionárias. Temos, por exemplo, uma parceria com a AES Eletropaulo. Algumas empresas de serviços e produtos também nos ajudam, com transporte, por exemplo, ou nos fornecendo os equipamentos por um preço mais acessível. Temos também um modelo de voluntariado muito grande, hoje, com uma equipe de cerca de 250 voluntários.
BN — Quem quiser fazer trabalho voluntário para a Litro de Luz deve proceder como?
VB — Costumamos divulgar nas redes sociais as cidades onde vamos implantar um projeto e aí começa o processo seletivo. E é muito rígido, pois trabalho voluntário não é brincadeira, é coisa séria. E funciona como uma troca. O voluntário oferece seu serviço e, em troca, tem a oportunidade única do contato com a comunidade, onde ele vai ter um desenvolvimento profissional, pessoal e espiritual muito forte.
BN — Qual é a sensação ao ver a reação de uma comunidade, ou de um morador, quando recebe a luz com a tecnologia das garrafas?
VB — Olha, o impacto mesmo a gente só consegue perceber depois de um certo tempo. Quando voltamos aos locais, é que começamos a entender a diferença que a energia faz na vida das pessoas. Temos relatos emocionantes de fortalecimento da amizade entre pessoas das comunidades, que passaram a se socializar mais, de pessoas que não podiam estudar à noite porque não tinham luz, de um grupo de pescadores da Amazônia que tinham dificuldades, quando retornavam da pescaria à noite, de encontrar a comunidade que estava totalmente escura. São impactos que não imaginávamos quando levamos a energia para uma localidade.
BN — Do ponto de vista das políticas públicas, o que você considera que pelos governantes para reduzir, ou minimizar, os nossos problemas sociais?
VB — A única maneira de dar escala aos trabalhos na área social é por meio da tecnologia e das políticas públicas. No caso da Litro de Luz, realizamos, em quatro anos, cerca de mil soluções (postes e lampiões). Com o programa de Eficiência Energética, em 2018 vamos conseguir fazer mais do que fizemos em quatro anos. A real escala está quando você consegue chegar ao interior do Brasil. O programa Luz para Todos, por exemplo, é um bom exemplo de política pública, que tirou milhões de brasileiros da escuridão. Mas a nossa principal carência é na educação, da infantil ao ensino superior. Como é que um país com mais de 200 milhões de habitantes não conseguiu, nem de perto, produzir um prêmio Nobel? Estamos perdendo nossas melhores mentes para outros países. Então, governos precisam começar a valorizar mais a educação.
BN — Como é exercer a profissão de empreendedor social, que tem como principal característica ajudar o próximo?
VB — E uma vida mais feliz. Quando estou perto de amigos que não atuam na área, percebo como eles são pessimistas. Quando estou perto de amigos que realizam algum trabalho social, percebo como eles são mais otimistas. Estamos vendo as pessoas que estão querendo fazer diferença, que estão se mexendo, que não estão passivas. Nós, os empreendedores sociais, usamos muito a palavra esperança, mas não no sentido de quem espera, mas que age para transformar. Por mais que seja cansativo, que você se veja diante de realidades muito cruéis, você está fazendo parte de um processo de mudança. É uma vida mais completa.
Aprenda a fazer uma lâmpada com uma garrafa
A Litro de Luz produziu um tutorial em vídeo que ensina como construir uma lâmpada utilizando uma garrafa pet. Veja a seguir:
Inspirador e super importante! Amei saber desse projeto e principalmente vindo de brasileiros tão engajados. Parabéns Vitor Belota e maia feliz por saber do mineiro mecânico propulsor da invenção. Parabéns Boas Novas pela ótima matéria!