Mamãe fazia um suflê incrível. Fofíssimo, perfumado e gostoso. A base eram ovos batidos como que para pão de ló. Primeiro batia as claras em ponto de neve. Para saber se já estava no ponto – ainda hoje fazemos assim – virava a tigela de ponta a cabeça. Se as claras não desabassem, bingo !!! Estava pronto. Depois disso as gemas eram acrescentadas uma a uma, batendo bem, que era para o suflê não ficar com cheiro de ovo.
Só que antes dessa pirotecnia culinária era preciso fazer o bechamel, molho branco feito a partir da manteiga, farinha de trigo, leite, sal, noz moscada e pimenta do reino, tudo cozidos em fogo baixo. E assim que esfriava aquele molho mais denso, quase um creme, ganhava a companhia de pedacinhos de cenoura, chuchu, cebola, vagem e outros legumes que estivessem à mão. Só então entravam os ovos batidos.
E como a mamãe era cheia de truques (ou seriam segredinhos guardados a sete chaves?), para que não perdesse o ar, revirava a mistura lentamente, de cima para baixo. Era essa artimanha que fazia o suflê crescer. Massa pronta era hora de ir para o forno em temperatura a 160 graus. Mamãe ficava de olho e comemorava a mágica de ver o suflê ficar crescido e dourado. Saía do forno direto para a mesa do almoço. Um evento! Palmas para ele! O suflê merece.
– Mas, Gisele, para que você está falando sobre suflê? Para que está dando receita que ninguém pediu? Por que espalhar segredos culinários que a família fez questão de esconder por décadas?
– Uai! Porque o suflê da minha mãe é bem parecido com aquele que virou personagem “Ainda Estou Aqui”. É estrela tanto do livro quanto do filme. No livro tem até um capítulo só para ele.
– Você está querendo dizer que o suflê da sua mãe é mais importante que o talento da Fernanda Torres? Que chama mais atenção que a atuação dessa atriz incrível que fez história ao conquistar o Globo de Ouro?
– Não coloque palavras na minha boca. Não se trata disso. Na verdade, o que reacendeu a minha memória afetiva foi o fato de o suflê ser um dos condutores da história narrada pelo escritor Marcelo Rubens Paiva, autor do livro que inspirou o filme dirigido brilhantemente por Walter Moreira Salles. Tanto o livro quanto o filme contam a história de Eunice e de Rubens Paiva, pais de Marcelo. Rubens era deputado e em 1971 foi preso por agentes da ditadura, depois torturado e morto. Eunice se reinventou em meio à dor. Formou-se em Direito e passou a defender os direitos dos povos originais.
Não por acaso o suflê é um dos fios condutores dessa história da vida real. Post publicado pelo @comerhistoria conta que as receitas e as formas de comer são representativas de um contexto, de classes sociais, de um tempo. Desde que assistimos ao filme, que depois nos levou ao livro, a cena do suflê não saiu da nossa cabeça (…), destaca, Carol, Rafael e Gabriel, criadores por trás do @comerhistoria.
“Por que suflê? E de queijo mesmo?
Sem rivalizar com qualquer atuação, ele estava ali, marcando presença na festa, no sorriso, na angústia. E não foi por acaso: era mesmo uma receita que fazia sucesso nas mesas de grupos sociais como os da família Paiva naquele momento. Nome que no francês significa “assoprar”, trouxe sopros de vida àquela narrativa e àquela história que valem a pena serem destacados”.
Quem me apresentou o @comerhistória foi a Denise Godinho, do @capituvemparaojantar. Se eu já era uma comilona de histórias e de comidas com afeto, desde que passei a consumir o conteúdo desses dois blogs passei a ver e a comer com outros olhos.
Hora de ir, mas antes um convite: se quiser se sentir um dos convidados dos almoços dominicais da família Bicalho Resende (e por que não da família Paiva?), segue a receita do nosso suflê. Só faça.
Suflê de legumes
2 colheres de sopa de farinha de trigo
300 ml de leite
2 colheres de sopa de manteiga ou margarina
1 pitada de sal
Noz moscada, pimenta do reino
50 gramas de queijo ralado
4 ovos
Legumes cozidos (chuchu, abobrinha, vagem e cenoura, cortados em cubos)
Modo de fazer:
Derreta a manteiga sem deixar esquentar muito. Junte a farinha, depois o sal, a noz moscada, a pimenta do reino e o leite. Mexa sempre até engrossar. Retire do fogo e deixe esfriar. Misture o queijo e os legumes. E, por fim, os ovos batidos como que para pão de ló. Leve imediatamente ao forno em um pirex untado com manteiga. Assim que estiver crescido e com a crosta dourada, retire do forno e sirva.
Para acompanhar, uma salada verde e um vinho branco, que é pra gente comemorar a vida e a liberdade.
E eu aqui chorando e querendo sentir novamente o gosto da infância.Que saudade!
Huuum! Vamos fazer e nos teletransportar para a nossa cozinha dos anos 70.