Recentemente troquei ideias com você sobre o envelhecimento. Sobre essa viagem sem volta que nos desafia. Até quando alimentar desejos, planos e sonhos? Como manter a lucidez e o cérebro em looping constante? Temos prazo de validade? Não sei você, mas essas são perguntas que me assombram frequentemente. Talvez esteja no trabalho a chave para responder a essas perguntas. Mas e o mundo real? Tem alguém aí que falou em etarismo? E sobre o culto ao corpo perfeito? A verdade é que a idade, as rugas e as marcas do tempo atravancam o caminho de quem quer e precisa se manter ativo.
Recentemente dei de cara com um post da atriz Vanessa Gerbelli, no qual ela tece comentários sobre a série italiana “Engano” exibida na Netflix. Vanessa se disse impressionada com a representação de personagens mais velhos e como a série mostra uma mulher de 60 anos, chique e bem-sucedida, envolvida com um homem mais jovem, quebrando estereótipos sobre envelhecimento e sexualidade. Vanessa refletiu sobre como a sociedade brasileira ainda não valoriza plenamente a faixa etária de 50 anos ou mais, que segundo ela, e eu também penso assim, é produtiva e interessante.
A atriz também comentou sobre a importância de se mostrar cenas de sexo com atores mais velhos de forma natural e sem apelação, algo que a série faz muito bem. Vanessa acredita que essa representação é crucial para mudar a percepção cultural sobre envelhecimento e sexualidade, e que o Brasil precisa se preparar para uma população cada vez mais envelhecida, oferecendo produtos e serviços adequados. Ela conclui que as emissoras brasileiras estão perdendo a oportunidade de contar histórias incríveis para homens e mulheres maduros, uma tendência que só vai crescer até 2030.
Para embasar essa sua afirmação, a atriz recorreu a uma entrevista da médica Margarete Dalcomo. Segundo a pneumologista, em cerca de 15 anos, a população brasileira deverá atingir o pico estimado pelos especialistas em 230 milhões de pessoas. A partir daí vai começar a diminuir. Como assim, diminuir? A respostas é simples: o Brasil envelheceu rápido demais e ainda não se deu conta.
Depois de toda essa prosa. Dito tudo isso, se você ainda não me conhece talvez esteja me idealizando com uma velhinha de coque. Aquela que passa o dia na cadeira de balanço, tricotando, tremendo de medo do futuro. Não me surpreendo. Aos vinte e poucos anos eu também tinha essa visão. Era essa a ideia que eu fazia de uma pessoa vivendo a maturidade.
Naquela época olhava para minha mãe e para a minha avó com a admiração de quem se encanta com valiosas peças exibidas em museus mundo afora. Só que não era bem assim. Estava completamente equivocada. Minha avó sempre foi uma mulher forte, determinada. E, no caso dela, o coque não era só uma metáfora. Vovó usou o penteado por muitos anos por uma imposição de meu avô. Mas assim que o nosso querido se foi para outro plano, Vovó cortou o cabelo e o manteve prático e elegante até se juntar na eternidade ao parceiro de mais de seis décadas.
Quanto à minha mãe, Dona Nely era mulher poderosa (ou seria empoderada?). Esbanjava competência. Dividia-se com igual talento entre os papéis de mãe, dona de casa, professora e gestora. Mesmo assim, ainda repleta de energia e vigor, sem que esse fosse o seu desejo real, foi aposentada antes de completar sessenta anos. Outros tempos. Hoje, certamente, não seria assim.
Essa “aposentadoria compulsória” imposta à minha mãe lembra muito o romance “Ojiichan”. O autor é Oscar Nakasato, um escritor paranaense descendente de japoneses. A obra retrata um período de indefinição vivido na velhice pelo professor Satoshi. O enredo é marcado pela resistência à ideia de apenas esperar pela morte. Aos 70 anos, aposentado compulsoriamente, Seu Satoshi se questiona: E agora? Sem a intenção de dar spoiler, a obra revela que essa fase da vida também pode ser repleta de descobertas, novos sentimentos e transformações profundas. E foi exatamente isso que aconteceu com minha mãe.
A exemplo do Seu Satoshi, Mamãe não jogou a toalha e foi à luta. Após a aposentadoria dedicou-se, como voluntária, à missão de contar histórias. Apoiada por professores tão capazes e idealistas quanto ela, Mamãe, com o talento que Deus lhe deu, conduzia as crianças pelo reino da fantasia. Transitava com desenvoltura tanto pelos castelos povoados por reis, rainhas e princesas medievais, fadas, bruxas e dragões, quanto pelo Sítio do Pica Pau Amarelo. Por lá, esgueirando-se pelas matas com Saci-Pererê, personagem que na visão dela (e também de Monteiro Lobato) de mal não tinha nada. Apenas usava a esperteza como estratégia para encantar as crianças que se deixavam envolver pelo talento daquela contadora de história. Ainda hoje, passado tantos anos, ainda ouço elogios à Dona Nely.
Essa determinação em seguir em frente e esse amor pelos livros, remédios para o recomeço pós-aposentadoria, são legados deixados pela minha querida. Pós tempo da delicadeza, vivendo com dignidade o outono da vida, nas horas de desalento e desesperança, penso na bravura com a qual Mamãe conduziu a sua vida e fez dela modelo para nós, filhos e filhas, netos e netas de Dona Nely.
Coragem! Viva Dona Nely! Viva! Seguindo em frente. Até mais.
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