Quantos Trapalhões faltam para o Natal?

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Imagem - Pixabay
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Sou forte como touro. Há quem suspeite até que eu seja uma ET. Só que os fortes também tombam. E comigo não seria diferente. Nos últimos dias estive um pouco adoentada. Nada grave. Se tivesse procurado ajuda médica certamente teria sido diagnosticada como vítima de mais uma virose. Já antevendo a cena, nem fui. Menos uma para superlotar as portas de entrada do SUS. A cura veio com água, gatorade, água de coco, chá, biscoitinhos e, principalmente, com o melhor remédio: altas dosagens de carinho.
Ao acordar, um “você passou bem a noite?” “Você conseguiu dormir?” Quer que eu prepare uma torradinha? “Hoje você está com uma aparência melhor. Quer que eu faça ovos mexidos”? Puro amor combinado com cuidado. Essa pergunta despretensiosa sobre os ovos mexidos, me lembrou uma crônica de Rubem Alves.
No texto em questão o escritor compartilha uma memória afetiva de sua infância e descreve seu amor por ovos, especialmente por fritos e escaldados servidos com pão torrado. Ele relembra as sextas-feiras, quando seu pai, um viajante, voltava para casa de trem. A família se reunia para recebê-lo, e após lavar os pés do pai, todos se sentavam para comer juntos. O prato sempre incluía arroz, feijão, molho de tomate, cebola, ovo frito e pão. Esses momentos de compartilhar a refeição com o pai são lembrados com carinho e felicidade, e o ato de comer pão com ovo ainda o transporta de volta a essas memórias da infância.

No meu caso, não há como dissociar. Mesa é altar. É onde se compartilha e divide amor. Por isso, mesmo quando falta tempo, quando tudo parece fora de ordem, a gente se reúne para o café da manhã e para fazer as refeições. Por isso, além de alimentar, remedia, conserta, coloca o corpo e a alma em ordem.
Após o café da manhã, já na porta do trabalho, o gesto vem com recomendações: “Não se esqueça de tomar água”. “Compre um Gatorade, uma água de coco”. “Ah, e não fique sem almoçar, heim”? Nesse momento, o coro das duas queridas ganha até a adesão do motorista do aplicativo. “Água é importante, viu?”
Já na estação de trabalho o amor vem acomodado dentro de uma xícara de chá de camomila. “Tome. Vai lhe fazer bem. Esquenta o estômago”. No meio do dia, recebo um copo de água geladinha. “Você precisa tomar água. Vive esquecendo”. E antes de ir para casa, o afago chega com um chá de goiaba. A folha foi colhida no canteiro de uma avenida em plena zona sul de Beagá. Junto com o chá vem um sorriso tímido e uma recomendação discreta. “Tome tudo. Vai lhe fazer bem”.
Em casa, o cardápio do jantar é pensado para me agradar. Bola de carne com sabor de infância acompanhada de abóbora assada. No fim da refeição, rezo em silêncio. Agradeço por tanto amor. Dia após dia o corpo, agora saudável, faz as pazes comigo e a vida segue o seu curso. Recarregada por esse amor sem medida, fico aqui matutando que Fabrício Carpinejar tá muito certo. Sobre amor e sobre empatia, ele diz: “Ando no escuro para tocar onde não devo. Amor é tocar onde não se deve. É curar sem entender a doença”. Bem assim, né? Mas, ele diz também: “Sempre que falo com alguém cuido para não esbarrar nos traumas, nos medos, nas dores. Não se entra na alma do outro apanhando objetos frágeis das estantes”.
A vida é assim mesmo, né? A gente aprende todos os dias. Se reconhece nas falhas e nos acertos dos outros. E vai tentando acertar, alinhavando os pontos frouxos. Por enquanto, o corpo está curado. Quanto à alma, essa ainda quebrada. Se ressente de tanto ódio e dos embates espalhados por aí. Mas, graças a Deus, daqui a pouco já será novembro. A chuva, com certeza, vai varrer toda essa animosidade para longe. Depois virá o Natal. E por falar nessa data santa lembrei do tempo da delicadeza. Ao longo do ano, ansiosos pela chegada do Papai Noel, meus sobrinhos se orientavam por um calendário inusitado.

  • Tia Gisele, quantos Trapalhões faltam para o Natal?

Dependendo do momento, a resposta variava. Mas o encantamento da tia, nunca. “Que calendário é esse, Xuxa?” Eu arriscaria dizer que era o calendário do amor, da esperança, da alegria. Muito diferente desse nosso. A parte boa é que, em meio ao caos, alguns oásis ainda sobrevivem. Como esse que vive nos últimos dias, cercada de amor, de compaixão e de empatia.
E que venha novembro, o Natal e depois o Reveillon. Vida nova. Novas energias. Que assim, seja! E será.

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