Gastronomia das palavras

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Imagem - redes sociais
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O que têm em comum a Jane Austen, a Agatha Christie, a Virginia Woolf e a Cora Coralina? Eu sei que a sua resposta já está na ponta da língua. Sim. Todas elas são escritoras. Bingooo!! Mas, não é só isso (ou isso tudo). É que, além de escrever, todas também cozinhavam e não escondiam essa habilidade dos leitores. Reparem que a comida é muito presente nas obras produzidas por essas mulheres extraordinárias.

Aliás e a propósito, a casa das quatro se tornaram museus. Neles, o ponto alto, além da copa, é a cozinha. Eu adoraria fazer esse tour. Me programando aqui. Pirenópolis não está tão longe assim. Quanto à Londres, por enquanto só resta sonhar. Mas o que seria de nós se não fossem os sonhos, né mesmo?

Com essa nossa prosa aqui acabei de me lembrar de um sábado, de quando jogava conversa fora (adoro essa expressão) com amigos. Clima tranquilo, tarde amena, papo bom até que uma querida comentou causalmente que na casa dela o fogão era um eletrodoméstico absolutamente dispensável. Que raramente era usado. Que a sua família sempre fazia as refeições fora de casa.
– O que? Como assim? Perguntei quase aos gritos, tamanha foi a minha surpresa. Sem pensar duas vezes, citei Clarice Lispector. “Uma casa de família é aquela que, além de nela se manter o fogo sagrado do amor bem aceso, mantenham-se as panelas no fogo”.

Estou de pleno acordo com a Clarice (olha a intimidade). Não consigo me imaginar vivendo em um lugar que o fogão não esteja a pleno vapor. Dificilmente viveria em uma casa que não estivesse frequentemente perfumada por bolos e biscoitos recém saídos do forno, pelo cheiro de panelas fumegantes, com feijão preparado no alho, na cebola e no bacon. E o chuchu refogadinho com cheiro verde para alegrar a vista e o paladar? Tem coisa mais deliciosa que o cheirinho da couve quando ela leva um susto na banha de porco e sai toda crocante, pronta para uma festa no céu da nossa boca? E o doce de figo e de laranja no tacho de cobre? Que perfume! Que beleza! Huummm!

Esse sentimento entre o amor e o desejo pelo ato de cozinhar e pelo prazer de comer se desnuda por completo na escrita de Mia Couto. No conto “A avó, a cidade e o semáforo”, esse nosso querido escritor moçambicano não deixa pedra sobre pedra quando diz:
“Cozinhar é o mais privado e arriscado ato. No alimento se coloca ternura ou ódio. Na panela se verte tempero ou veneno. Quem assegurava a pureza da peneira e do pilão? Como podia eu deixar essa tarefa, tão íntima, ficar em mão anônima? Nem pensar, nunca tal se viu, sujeitar-se a um cozinhador de que nem o rosto se conhece.
– Cozinhar não é serviço, meu neto – disse ela.
– Cozinhar é um modo de amar os outros.”

É bem assim mesmo.
Os momentos que passamos na cozinha são pura magia. Não sei com você, mas comigo é bem assim. Se não estou num bom momento, lá vou eu para a cozinha. A “boloterapia” me relaxa, alimenta o meu espírito. Enquanto peso, meço, misturo e observo o bolo assando, reflito, repenso sobre a vida.
Seria uma feitiçaria? A escritora Joanne Harris garante que sim. “Existe uma feitiçaria em todo trabalho culinário, na escolha dos ingredientes, no processo de misturar, raspar, derreter, macerar e aromatizar, nas receitas retiradas de livros antigos, nos utensílios tradicionais”.

E se você está aí se perguntando se só as escritoras cozinhavam e citavam as comidas em suas obras, posso lhe adiantar que não. Machado de Assis se esbaldava com cocadas, vide Dom Casmurro, livro que virou o queridinho da vez; Olavo Bilac amava empadinhas e Guimarães Rosa levou o nosso mineiríssimo frango com quiabo para as páginas de Grande Sertão: Veredas. Riobaldo se fartava com esse prato, que também era um dos preferidos do escritor.
Vou parando por aqui porque como diz o influencer divinopolitano Amaral (@amaralmaral), minha boca tá que nem um “corgo”. Hora de correr pra cozinha e mexer o meu caldeirão. Vem bruxaria por aí. Ou seria magia? Vai saber, né? Fiquem bem. Até mais.

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