O lado erótico da uva-passa

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Imagem - Pixabay
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Gosto mais de Natal que de Reveillon. Sempre foi assim. Quando Papai e Mamãe ainda estavam por aqui, preferia ficar em casa com eles que festar noite afora. Para celebrar a mudança de calendário, Mamãe servia castanhas portuguesas cozidas, acompanhadas de um bom vinho, que era para brindar a chegada do novo ano. Gilda e Denise cumpriam o mesmo ritual. O restante da nossa família grande e barulhenta evadia-se do local e festava em outras paragens.
De uns anos para cá, decidimos nos juntar em uma festa na casa da nossa primogênita. Afinal, Gyslaine, João e sobrinhos nos recebem com tanto amor que fica difícil resistir ao convite. Ai você já viu, né? Música boa combinada com bebidinhas e comidinhas não dá pra ficar de fora. E se no Natal, aqui em casa, a ceia é a mais tradicional possível, no Reveillon, na residência dos Bicalho Resende Cabral Marra, fica permitido ousar. Já fiquei sabendo que serão servidas umas entradinhas diferentonas. E que pra fechar a noite vamos de massa com vários molhos que é para nos manter de pé depois dos muitos brindes que certamente faremos. Reposição com carboidrato sempre dá certo.
Sei que você deve estar aí se perguntando:

  • Mas, afinal, o que são essas tais entradinhas diferentonas?

Pelo que a Gyslaine adiantou, todas são deliciosas e atendem ao meu paladar. Atentaram para o “meu”. É que já vou adiantando que a ala masculina vai protestar. Os homens da família pertencem ao grupo daqueles que odeiam comidas agridoces, que não aceitam o casamento do figo com queijo ou frango com mel. “Onde já se viu tamanha heresia?”. E se você falar que na receita vai uva-passa? Aí é que o caldo entorna de vez.
Por falar em polêmicas, li no site da BBC News que na Bíblia há passagens que conferem um tom erótico a essa iguaria tão comum em nossas mesas. Na reportagem, o teólogo e historiador Gérson Leite de Moraes conta que no livro Cântico dos Cânticos, a uva-passa aparece em um poema que é feito pela esposa ao seu amado. O trecho exalta o marido, dizendo que “seu fruto é doce ao meu paladar”. E depois de destacar que “faz-me entrar na taberna, seu estandarte sobre mim é amor”, pede para que o amado a refaça “com bolos de uva-passa” porque ela está “doente de amor”.
O teólogo revela ainda que no livro de Oseias há outra passagem de cunho sexual. É quando Deus repreende aqueles que “se voltam para outros deuses”, envolvendo-se com prostituição e adultério. No texto, essas pessoas “gostam de tortas de uva-passa”.
Moraes vai além e explica que “a diferença entre os dois trechos é que no primeiro, o contexto afrodisíaco está dentro de um casamento aprovado aos olhos de Deus; no segundo, é uma relação de promiscuidade, prostituição, ou seja, associando o alimento a um ambiente de adultério”.
Sendo assim, da próxima vez que na sua casa começarem a brigar por causa da uva-passa, peça um aparte e conte logo essa história, que é pra mudar o rumo da prosa e tudo terminar em paz. Como deve ser o ano novo. Pacífico, amoroso e solidário. Pelo menos é o que eu peço todos os anos na hora do “neste ano quero paz no meu coração, quem quiser ser meu amigo que me dê a mão (…)”.
A você que me lê desejo tudo o que há de melhor, sempre em um ambiente em que reine a paz e a solidariedade. Fique bem.

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